quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Uma oportunidade perdida em Nova York

Artigo de Claudio Lottenberg, presidente da CONIB, publicado nesta quarta-feira na seção Tendências e Debates do jornal Folha de S. Paulo

Acompanhei recentemente, com especial atenção, a cobertura jornalística da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Nova York. Estava ansioso por saber, entre outras questões, como o dirigente máximo de nosso país transmitiria ao iraniano Mahmoud Ahmadinejad a ideia de que negar a ocorrência do Holocausto representa um repugnante e vil desrespeito à memória das vítimas do nazismo e aos sobreviventes que escaparam dessa barbárie. E muitos deles aportaram em terras brasileiras, onde foram acolhidos com especial hospitalidade e refizeram suas vidas.

Somos descendentes de vítimas desse massacre. E quando deparei com a foto do presidente Lula com Ahmadinejad, fiquei profundamente decepcionado com a forma como o presidente do meu país cumprimentou alguém que questiona a ocorrência do Holocausto.

Imaginei, por exemplo, o que um sobrevivente do Holocausto que encontrou refúgio no Brasil estaria sentindo ao ver aquela imagem. Pensei em nós, filhos e netos de vítimas da máquina mortífera do nazismo, que nos empenhamos tanto nas últimas décadas em manter viva a memória daqueles homens, mulheres e crianças massacrados na Segunda Guerra Mundial.

Evocar interesses de Estado, como faz o governo brasileiro, para buscar a aproximação com Ahmadinejad me deixa perplexo. Fiquei pensando se poderia ver o presidente Lula estendendo a mão para alguém como o general Augusto Pinochet em nome dos interesses de Estado.

Imaginemos que o regime militar, felizmente na lata do lixo da história, ainda imperasse em Santiago, e o Brasil, com a estratégia de liderar o subcontinente latino-americano, recorresse a razões de Estado para justificar eventual aperto de mão com o pinochetismo.

Afinal, alguns assessores do nosso presidente costumam dizer que não cabe ao Brasil distribuir "certificados de bom comportamento" a governos estrangeiros, o que explicaria a atual aproximação com ditaduras, como Irã e Coreia do Norte.

No caso iraniano, imagino também o que devem ter sentido integrantes das minorias sexuais e religiosas perseguidas sistematicamente por Ahmadinejad ao vê-lo cumprimentando, com um largo sorriso, uma liderança de reconhecida envergadura internacional como o presidente Lula, que carrega uma trajetória intimamente ligada à luta por liberdades civis e pela democratização de seu país.

Guardo algumas perguntas ao governo. Por que prestigiar alguém cujo regime não hesitou em reprimir com mortes e violência as recentes manifestações nas ruas de Teerã? Por que prestigiar alguém que representa um regime que viola sistematicamente os direitos civis de mulheres, homossexuais e minorias religiosas, que persegue grupos de esquerda e pró-democracia? Por que prestigiar alguém que, com suas ambições nucleares, desponta como um fator de desestabilização do cenário internacional e que defende a destruição de Israel, um Estado integrante da ONU?

Não é convincente a argumentação de que isolar Ahmadinejad é pior. Pior é recompensá-lo com prestígio e aproximação econômica.

Em minha visão, o presidente Lula, que ganha destaque cada vez mais intenso como uma liderança com influência que atravessa as fronteiras do Brasil, desperdiçou uma valiosa oportunidade de condenar, com o devido peso e ênfase, um fenômeno abjeto como a negação do Holocausto e as violações sistemáticas aos direitos humanos cometidas pelo regime iraniano.

Felizmente, vivemos num país democrático e, ao contrário da população do Irã, podemos manter um diálogo fluído e livre com o nosso governo.

Conheci Lula em Israel, na abertura de um evento esportivo, nos anos 1990. Desde então, pude desenvolver com ele uma relação de profundo respeito e admiração. Mas, como cidadão de um Brasil cujos soldados também combateram o nazismo, e em honra à memória das vítimas do Holocausto e de seus descendentes, não posso deixar de externar, com a máxima transparência, que, neste momento, estamos em profundo desacordo.

No respeito e na minha relação com a memória de meus antepassados, permito-me ser inflexível. Ahmadinejad personaliza não apenas o desrespeito à história. Personaliza também o desrespeito à democracia, a liberdades civis e à estabilidade mundial.

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