Vou me meter e criar um pouco de confusão.
A definição histórica verdadeira de quem é sefaradi e quem é ashkenazi pouco importa no contexto político ou social atual. As duas definições são de momentos históricos muito diferentes e de pontos habitados pela comunidade judaica praticamente sem contato entre eles. Não tenha dúvida de que para um judeu do Pale do século 18 um judeu do Marrocos não era judeu, deveria ser um tipo de beduíno. De qualquer forma eles não tinham contato. Há fotos de judeus habitantes de Jerusalém de meados do século 19 e se vestem como todo os outros otomanos da região. Não eram árabes neste ponto...
Aliás, árabe não é etnia. Árabe é grupo linguístico. Vá alguém dizer para um árabe da Argélia que ele tem uma identidade comum ancestral com um árabe do Egito. Isso dá em guerra. Simplesmente não existe vínculo entre eles. Um libanês ou um sudanês ou um iemenita árabes não compartilham de origem étnica, social, antropológica, não compartilham nada a não ser a base linguística. Nem a religião é exatamente a mesma. Nem a culinária, nem as roupas.
Teoricamente não temos mais sefaradim originais. Quem pode dizer em que ponto a maior parte da Península Ibérica foi chamada de Sefarad? Na verdade, em hebraico até hoje e vem do hebraico medieval. Houve dois períodos de dominação moura (muçulmana) sobre praticamente toda a península. Mas quando chegaram lá pela primeira vez, no século 8, já havia cidades judaicas com cerca de mil anos por lá de gente que chegou antes dos romanos e antes dos gregos. Entre 611 dc e 712 dc os reis Visigodos católicos da Espanha primeiro tentaram a conversão forçadas dos judeus e no fim das contas tornaram os restantes escravos. Note que não há islã aqui ainda por que entre 624 e 628 dc Maomé aniquilou as tribos judaicas da "Arábia." Neste momento não houve expulsão de Sefarad e ninguém jamais ousou definir os judeus conversos a força neste período como marranos (convertidos na marra).
Depois da morte de Maomé, quando os muçulmanos começam a espalhar-se pela fé "submeta-se ou morra" (muçulmano significa em árabe submisso 'a deus') através dos califas se deparam com comunidades judaicas antigas no Norte da África e as deixam em paz. Portanto estes judeus norte africanos não são sefaradim, não vieram de Sefarad. Eles começam a ser perseguidos pelo Islã quando muda o sistema deles em 1147, mas "apenas" por uns 80 anos... Ao longo deste tempo todo, cerca de 500 anos evidentemente houve trocas de populações entre Norte da África e Sefarad embolando as etnias.
No estica e encolhe da dominação islâmica sobre a Europa muitos judeus voltaram com os muçulmanos nas fases de encolhe pois tinham o status de dhimi, que significava uma minoria religiosa protegida. Não tinham todos os direitos civis, não tinham direitos políticos (mas ninguém tinha...) durante vários períodos foram obrigados a usar roupas, chapéus, emblemas ou enfeites discriminatórios, mas não eram perseguidos como na Europa medieval e massacrados nas Cruzadas. Aí também se embola quem veio, por exemplo da França e da Bélgica para uma área árabe durante uma retração.
Depois na reação ao segundo império islâmico do século 15 com a Inquisição embutida, descobrimentos etc (o pau ainda estava comendo feio - muçulmanos também foram para as fogueiras). Aí houve a segunda e definitiva expulsão de 1492. Se formos a ferro e fogo, todos os expulsos, espanhóis e portugueses eram de Sefarad. Mas foram para onde? Esta expulsão não foi rápida. O fluxo básico dessa expulsão, sem estar na ordem, foi Brasil, colônias espanholas na América, França, Itália, Iugoslávia (Balcãs), Bulgaria, Romênia, Grécia e Holanda. Portanto temos sefaradim de primeira geração e segunda expulsão basicamente nestes locais. Um dos elementos básicos da identificação dos descendentes espanhóis (apenas) são as comunidades que usam o ladino e não o yidish como até hoje na Grécia.
Nessa discussão toda que estamos tendo, alguém parou para pensar que grande parte da comunidade judaica holandesa é sefaradi? Sua principal e maior sinagoga, poupada pelos nazistas é a Sinagoga Portuguesa? E que Maurício de Nassau ao vir criar a colônia holandesa em Pernambuco traz judeus portugueses cidadãos holandeses que seriam perfeitos para se entender e ir a forra com as tropas portuguesas católicas no Brasil? E que esse grupo vai para os EUA e funda Nova Amsterdã (Nova Iorque)? Portanto fundada também por judeus portugueses e espanhóis de cidadania holandesa, logo sefaradim? E houve fluxo de imigração pesada holandesa judaica e não judaica para NA e outros pontos dos EUA? Então há um monte de descendentes destes sefaradim nos EUA? Agora, vai ver se alguém nos EUA não se acha ashkenazi...
E em relação aos franceses? Também há sefaradim e não sefaradim. Entre os sefaradim descendetes da expulsão de 1492 muitos vão para a Luisiania (Terra do Rei Luis) que era uma coisa imensa do Mississipi até as Montanhas Rochosas e era território francês até a época de Napoleão (é que também não se estuda no Brasil a formação dos EUA) No sul estadunidense não faltam sinagogas e comunidades sefaradim com nomes portugueses e espanhóis originais. A principal sinagoga de Nova Orleans, que sobreviveu ao Katrina é a Sinagoga Touro (uma das mais antigas dos EUA). Que nome estranho nos EUA? Fui fundada por um rabino de sobrenome Touro, português.
E quem são os não sefaradim franceses? São ashkenazim? Não são não! Da mesma forma que sefaradim são os originados em Sefarad, os ahskenazim vem de Ahskenaz! Ah, nunca ouviu falar deste lugar? Se você estudou em escola judaica volte lá e reclame pois este textinho básico jamais circulará em escola judaica alguma. Ahskenaz em hebraico medieval da Europa central era como se chamava a Alemanha... Oh... Então os ashkenazim deveriam ser descendentes de Alemães apenas... Sim. Lembre-se que os judeus estavam nos Estados Germânicos desde o Império Romano. Há sepulturas com mais de 1.000 anos em cemitérios judaicos alemães. É que a propaganda nazista foi tão eficiente em dizer que os judeus vieram de fora que até mesmo os judeus esquecem estes séculos de habitação germânica mesmo com todas as perseguições religiosas e massacres. Era uma comunidade antiga e muito relevante. O yidish vem de Ashkenaz.
Assim sendo, essa divisão do mundo judaico em Sefaradim versus Ashkenazim e eventualmente Mizrahim (Eretz Mizrahim - Egito para os árabes do Egito para a direita do mapa) não tem base histórica, base étnica ou vínculo com a realidade. Ela simplesmente ignora a imensa comunidade turca, persa, russa, inglesa etc. Não tenha dúvida de que sefaradi não tem "cara" bem como o sujeito não é ashkenazi por que é branco de olhos claros como todos os caucasianos, do Cáucaso e não da Inglaterra ou França ou Nova Iorque são.
Definir que os judeus europeus como um todo são ahskenazim é um erro terrível. Na formação do Pale no século 18 houve além da obrigatoriedade dos judeus russos se mudarem para lá, uma imigração generalizada de todos os pontos da Europa com fronteira para o Pale. Então vieram alemães, poloneses, húngaros, austríacos, búlgaros, romenos, iugoslavos e outros que já estavam lá como ucranianos, letônios, estônios etc. Entram aí os kazaros que já haviam subido pelo Cáucaso séculos antes. Então houve uma mistureba generalizada de sefaradim com ashkenazim com os que não eram nem uma coisa nem outra e no século 19 quando começam as grandes imigrações para a "América" vem todos como ashkenazim, ou seja, judeus da Europa Central, o termo aceito hoje.
Li em um dos comentários que haveria um "mito kazaro." Não é mito. É história e é registrada. O problema aqui foi a apropriação dos árabes e das esquerdas para desqualificar a conversão de geral de uma população criando aí sim o mito de que essa população e seus descendentes não seriam judeus portanto "os judeus ashkenazim não existiriam." Tem autor judeu comunista sefaradi que já colocou isso no papel desta forma. Mas isso também está na raíz do antissemitismo. Não há discussão sobre as conversões de populações inteiras ao cristianismo como o imperador Constantino fez com os romanos todos, ou feitas pelo Islã. Apenas a grande conversão em massa para o judaísmo é considerada inválida pelos grupos que pretendem deslegitimizar os judeus como "povo" ou como tendo alguma raíz ancestral comum. Por exemplo. Ninguém está desconsiderando as conversões em massa feitas nos últimos anos pela estranha Shavei Israel na Índia, na China e em outros lugares. Para os nazistas a conversão dos kazaros foi válida. Dentro da lei judaica temos claramente dois tipos de origem: familiar e conversão. Converteu, pronto: é judeu como todos os outros e pode dar origem a sua linhagem familiar. Não interessa se isso será feito amanhã, se foi nos ano 1960 ou se foi a 1.200 anos atrás.
Ora, Ora... Por que Europa Central e não apenas Europa? Porque os franceses não se incluíam neste grupo e os britânicos também não. E por que também não? Porque em ambos países os judeus eram emancipados, tinham direitos civis e políticos plenos e não havia "a questão judaica" para eles. Os imigrantes vieram das áreas onde não havia cidadania plena ou sequer cidadania e procuraram nos países da América a realização do sonho de apenas ser um cidadão como qualquer outro. Isso aconteceu paralelamente a criação do sionismo político que pretendia que estes judeus não se espalhassem pelos países onde poderiam ser cidadãos mas que tivessem seu próprio "Estado dos Judeus", onde teriam sua liberdade política plena PRIMEIRO, para em seguida ter sua liberdade religiosa plena e poder seguir as leis judaicas sem ser levantada outra "questão judaica." Isso foi realizado em Israel. Não nos moldes previstos por Hertzl, mas adaptando suas idéias à realidade.
Mas se fosse só isso estaria bom. Já se foi mais um ano da independência de Israel e é o único país no mundo que precisa justificar diariamente seu direito a existir. É o único país do mundo que recorrentemente é ameaçado de destruição total. É o único país do mundo que precisa de pessoas que o defendam diariamente em outros países. Nem os regimes mais espúrios como Cuba, Myanmar o recém criado Kosovo (nem sei se a independência valeu ou não) precisam se importar em se defender diariamente da mídia, de grupos de pressão e de racistas. Hertzl dizia que ao estarem todos os judeus em Israel (ou em qualquer outro lugar) o antissemitismo se tornaria um problema histórico para os outros países. Acho que estavam bem errado nisso. Sequer os grupos terroristas precisam se defender da mídia...
Mas também não é um texto destes que vai mudar nada porque as pessoas não querem que nada mude. Há toda uma série de mitos étnicos de origem. Aas pessoas preferem preservá-los pois cada um dos grupos em questão, sefaradim e ashkenazim, se julgam moralmente, religiosamente, culturalmente e gastronomicamente superior ao outro.
José Roitberg - jornalista
5 comentários:
Oi José!
Gostei muito das esplicações no texto. Quanta descoberta! É uma pena mesmo não termos estudado a história da formação dos EUA na escola, mas nunca é tarde pra estudar, né?
GRande abç!
Belo texto José, só não entendi o porque da Shavei ser considerada estranha. Imagine se já é difícil um brasileiro encontrar-se com sua identidade judaica, imagine um chinês!
E ainda dizem que os Nazistas eram de direita, obviamente era uma esquerda não comunistas, mas ainda assim esquerda, e ate hoje os psicopatas esquerdistas ainda odeiam os judeus ao mesmo tempo que chamam os direitistas de Nazistas.
Israel é grandioso, admiro muito esse país que se mantém erguido em pé lutando contra tantos outros países insanos liderados por psicopatas!!!
Estranho ninguém quer aceitar que o território de Israel seja dos Judeus, como podem acreditar que um povo tão antigo não tenha uma pátria, uma nação, malditos Nazistas ainda existem sob o nome de socialistas!!!
muito bom.
...eventualmente Mizrahim (Eretz Mizrahim - Egito para os árabes do Egito para a direita do mapa).... Há um êrro de pronúncia: Judeus Mizrahi são os oriundos da Ásia. Os judeus Mitsrim, que vem de Mitsrayim, são aqueles oriundos do Egito. Os judeus Mugrabim (de Magreb), são aqueles provenientes do Norte da África, especificamente, Tunísia, Argélia e Marrocos. Os judeus Tripolitanos, são oriundos da Líbia (cujo nome provém da cidade de Trípoli).
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