sexta-feira, 31 de julho de 2015

Kadish em Português - A Oração dos Mortos

O kadish é conhecido pelos judeus como ‘oração dos mortos’, mas é uma declaração de fé, oração de louvor a Deus e confiança em Deus. É a principal oração judaica dita diariamente nos serviços religiosos nas sinagogas, pela manhã e a tarde, apenas se houver miniam, ou seja um quorum de dez homens judeus.

Há cinco versões de kadish proferidas em momentos diferentes da liturgia judaica. O kadish dos enlutados (kadish yatom), dentro da ortodoxia judaica deverá ser pronunciado apenas por parentes da pessoa falecida. Na liturgia dos ramos liberais, o kadish yatom costuma ser pronunciado por todos os que estejam na sinagoga e o desejarem fazer em honra ao falecido.

Pela ortodoxia, um filho enlutado deverá recitar o kadish yatom pelos onze meses seguintes ao falecimento de seu pai ou sua mãe. A recitação pelo falecimento de um irmão, irmã, esposa, marido, filho ou filha é de apenas um mês. Também é recitado nos aniversários da morte.

Entre os liberais recita-se o kadish yatom para amigos e outros tipos de parentes. Frequentemente os liberais convocam amigos e conhecidos para a reza do final da tarde na sinagoga por uma semana. No shabat, os rabinos liberais costumam solicitar a todos que recitem o kadish yatom para os membros da congregação que faleceram durante a semana, citando-os nominalmente.

Ao se cobrir o túmulo com terra, ao final do enterro, os filhos recitam o kadish yatom estendido com um parágrafo que se refere a ressureição dos mortos e a restauração do Templo de Jerusalém (quando o Messias chegar).

É um costume individual dos judeus recitar o kadish para quem bem entenderem ao visitar túmulos nos cemitérios. Também é um costume em visitas aos cemitérios judaicos, e áreas judaicas de cemitérios públicos, antes do Dia do Perdão (Iom Kippur), que um grupo de homens judeus recite um kadish yatom ‘coletivo’ para todos os que estão sepultados no local.

O kadish é recitado em aramaico seguindo uma definição do Talmud de que apenas a leitura da Torá precisa ser feita em hebraico nas sinagogas. Todas as outras orações, canções e salmos podem ser ditas e lidas em qualquer língua, menos árabe.

O único ponto do Kadish Yatom que fala em morto se refere apenas a “todos os que partiram do mundo” de forma genérica.

Assim, mesmo os judeus que compreendem hebraico não necessariamente compreendem o kadish, daí, a imensa maioria o considerar como uma ‘oração dos mortos’ e recitá-la com tristeza e dor e não com alegria e júbilo. A tradução do kadish yatom para o português é a seguinte.

Que o Seu grande Nome seja exaltado e santificado no mundo que Ele criou conforme Sua vontade. Que Seu reinado durante nossas vidas e nossos dias e durante a vida de toda a Casa de Israel, rapidamente e em breve.

(A Congregação responde: 'Amen. Que Seu grande nome seja abençoado para sempre e eternamente').

Abençoado, louvado, glorificado, exaltado, enaltecido, honrado, elevado e elogiado seja o nome do Todo-Poderoso, pois dele emanam todas as bênçãos e louvores. Nosso guia e o que nos conforta, redentor por toda a eternidade.

(A Congregação responde: 'Abençoado Seja')

Para Israel e seus justos e por todos os que partiram do mundo de acordo com a vontade do Juiz.  Possam eles ter uma grande paz pela graça e caridade que eles provem dos céus.
(Amen)

Que os céus possam nos conceder uma grande paz e a vida para todos nós e Israel.
(Amen)

Aquele Que estabelece paz nas alturas, Que possa trazer a paz sobre nós e sobre todo Israel.

© 2015 José Roitberg - jornalista e pesquisador
ABEC - Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais

sexta-feira, 24 de julho de 2015

MORTES E LIMPEZA NAS PRAIAS

No Diário do Rio de Janeiro de 9 de fevereiro de 1876, na página 2, Noticiário, há um tópico chamado 'Limpeza das praias' que nos dá um panorama assustador sobre a vida no Rio de Janeiro, sobre a falta de saneamento e motivos muito bons para a população não frequentar as praias. Veja o que foi notícia naquele dia na redação original:

"O serviço de limpeza das praias foi feito no mez passado por 191 barcaças, 582 escaleres e 5,736 carroças que transportaram 4,554,931 kilos de lixo, 1 boi, 20 cavallos, 24 porcos, 19 carneiros, 609 cães e 1.387 aves e animaes pequenos encontrados mortos nas praias"

Assustador. Eu não sei se o valor citado está correta, pois seriam 4,5 milhões de quilos, ou seja, 4.500 toneladas de lixo. Sei lá... Mas só os 20 cavalos, dão umas 6 toneladas...

Leve em conta, que nesta época os escravizados que chegavam mortos nos navios negreiros ainda eram levados ao Cemitério dos Pretos Novos (os pretos recém chegados) na Gamboa e empilhados lá a céu aberto.

Esta notícia é de 12 anos antes da Abolição da Escravatura.

© José Roitberg
ABEC - Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais

segunda-feira, 20 de julho de 2015

O PRIMEIRO CEMITÉRIO JUDAICO DO BRASIL EXISTE EM BELÉM



O Brasil Judeu Que o Povo Esqueceu
por José Roitberg - Jornalista e Pesquisador - Membro da ABEC

É um lote apertado, hoje numa área de grande movimentação ao lado de uma universidade. Seu nome é Necrópole Israelita e foi estabelecido em 1842, portanto, 74 anos antes do Cemitério Israelita de Inhaúma no Rio de Janeiro. É só ver as fotos e perceber que é um cemitério único entre todos os outros cemitérios israelitas. Sua primeira sepultura com data confirmada é a do rabino Mordecai Hacohen z'l, falecido em 1848 provavelmente um dos primeiros rabinos investido no cargo, vindo com a imigração dos judeus do Marrocos e estabelecendo a primeira sinagoga brasileira, a Eshel Avraham (Bosque de Abraão) em data que os historiadores sefaraditas disputam. Não fosse a lápide, não haveria outro documento que atestasse a passagem e existência deste rabino entre nós.

Necrópole Israelita, em Belém na Soledade, primeiro cemitério israelita do Brasil aberto em 1842 e fechado em 1915, foto de Moisés Unger 2013
 
Há mais dois rabinos neste cemitério ancestral: o rabino Eliahu Avudaram, "caridoso, estimado e importante... falecido à véspera do shabat" com um ano judaico deteriorado e ilegível, e o rabino Mordecai Laredo "Que descanse em Eden. Filho do saudoso rabi Joseph de Tanger (obs: importante cidade do Marrocos)" falecido em 1881. Estes três portanto, são alguns dos rabinos imigrantes, investidos no cargo que atuaram no Brasil, em Belém ao longo da porção central do século 19 e lá repousam para sempre." (Egon e Frieda Wolff, As Mishpakhot de Belém, 1987)

Segundo gravado em sua própria alvenaria de fachada, a Necrópole Israelita funcionou entre 1842 e 1915, e abriga apenas 28 túmulos, 16 dos quais não possuem qualquer inscrição e todos os outros são de homens. O túmulo que se vê com lápide vertical é de Alfred Levy, falecido em 1872, também numa véspera de shabat. Seu túmulo tem inscrições em francês e ele nasceu em Erstroff, na Lorena, França, uma minúscula comunidade que em 2010 possuía apenas 209 habitantes. Segundo historiadores judeus outros três judeus foram sepultados no cemitério católico defronte nos meados do século XIX. Seu endereço é avenida Serzedelo Corrêa 154, para quem passar pela cidade.
 
Necrópole Israelita, em Belém na Soledade, interna, foto de Moisés Unger 2013

A existência preservada da Necrópole Israelita nos permite apreciar o fluxo migratório dos judeus para Belém, onde rapidamente estabeleceram as diversas instituições que a comunidade judaica costuma ter.

A Necrópole é anterior a lei para os estabelecimento de cemitérios na Corte, ou seja, no Rio de Janeiro. Ela mostra uma interação entre judeus e não-judeus, entre judeus e a Igreja, de forma surpreendente em Belém, pois houve a permissão para um cemitério exclusivamente judaico. Nesta época estava em vigor uma lei muito recente que permitia cemitérios particulares por origem nacional, como os do Ingleses, no Rio de Janeiro. Não é possível afirmar se a Igreja paraenses compreendeu "israelitas" como uma origem nacional estrangeira. Não há documentos.

No Cemitério dos Ingleses de Belém (anglicano), localizado na Escola Kennedy, quase ao lado da Necrópole Isaelita, foram sepultados Arthur Joseph nascido em Welbourne Lincolnshire na Inglaterra, morto com apenas 18 anos em 1871 e seu túmulo está em inglês. Há ainda um segundo túmulo em hebraico do "pobre Moses..." cujo sobrenome está ilegível, falecido em 1860. Não há registros cartoriais ou cemiteriais de nenhum destes falecimentos antigos. (Egon e Frieda Wolff, As Mishpakhot de Belém, 1987)

Mas ao invés da Necrópole Israelita ser ampliada, o que poderíamos chamar de lei geral dos cemitérios para o Brasil fez com que o Cemitério do Guamá, possuísse um quadro israelita desde 1883, ativo até 1969. A compreensão da Igreja paraense ainda assim era relevante, pois de 1865 até 1916, no RJ, os enterros judaicos eram embolados, misturados no quadro de acatólicos no Cemitério de São Francisco Xavier, no Cajú. Existem 566 sepulturas judaicas no que hoje é conhecido como Cemitério Judeu Antigo do Guamá. E no Caju carioca, continua havendo enterros judaicos na acatólicos até hoje com mais de 2.000 túmulos de judeus.

Em 1940 inaugurou-se o Cemitério Israelita Novo do Guamá, onde havia 492 sepulturas (dado de 1997, último publicado). Naquele ano, contou-se 1.253 sepulturas judaicas em todo o estado do Pará, pois, apesar de se concentrar em Belém, os judeus viveram em algumas outras cidades também, como Tocantins, Gurupá, Mocajuba e Cametá, onde um bom número de judeus foi parar chegando a constituir duas sinagogas e um cemitério. Em dado momento histórico, a Comunidade Judaica de Cametá decidiu se mudar para Belém, desfazendo-se das sinagogas (que funcionavam em casas comuns) e levando os rolos da Torah para Belém, incorporando-os às duas sinagogas existentes. (Portal Amazônia Judaica - amazoniajudaica.org)

Segundo os historiadores judeus dedicados à Amazônia, entre 1810 e 1930, cerca de mil famílias de judeus emigraram para lá. Está no imaginário coletivo que a Comunidade Judaica de Belém foi formada apenas por judeus oriundos do Marrocos e tidos por marroquinos, portanto. Mas isso não é a verdade como um todo. No excelente livro Eretz Amazônia, de Samuel Benchimol, o autor nos presenteou com uma interessante pesquisa das origens de sua própria comunidade que vão fazer você mudar de ideia.

Diz Benchimol que os primeiros imigrantes do Marrocos chegaram ente 1810 e 1820 ainda no ciclo da exportação das "drogas do sertão", especiarias. Naquela época a população de Belém era de 24.500 habitantes e em Cametá residiam somente 8.050 pessoas. Estes primeiros imigrantes vieram do Marrocos Espanhol do Norte, de cidades marítimas e portuárias como Tanger, Tetuan, Ceuta, Arcila e Larache. Estes "marroquinos" eram descendentes dos judeus expulsos da Espanha em 1492 e de Portugal em 1496, portando sefaraditas de fato, seguindo os ritos judaicos portugueses e espanhóis. Falavam espanhol, português, ladino e haquitia, um dialeto que mistura castelhano, português, hebraico e árabe. Muitos falavam francês e inglês, ensinado nas escolas da Aliança Israelita Universal, onde foram preparados para a emigração. Apesar não estar nos dados históricos compilados anteriormente, é certo que também falavam árabe, pois viva em meio aos árabes já por 300 anos. Eles se intitulavam "megorachim" os exilados, os expulsos da Península Ibérica.

O segundo grupo de "marroquinos" é de judeus que foram denominados "toshavim", forasteiros. Forasteiro é alguém de fora, um estrangeiro. Essa denominação é especificamente igual a denominação de "falashas" dos judeus da Etiópia, que significa "estrangeiros em sua própria terra", no fim das contas, forasteiros. Mas quem seriam os judeus forasteiros no Marrocos? Eram os judeus que lá estavam provavelmente desde a destruição do Segundo Templo no ano 70, segundo Benchimol. Portanto, os judeus que chegaram ao Marrocos em 1492 não conseguiram compreender como judeus, os judeus que lá estavam há 1.422 anos, tamanha era a diferença étnica, física e linguística. É a mesma história que se repetiu em todas as imigrações judaicas que embolaram comunidades de diversas origens. Os toshavim falavam árabe e bérbere, residiam nas cidades do interior do Marrocos, como Rabat, Salé, Fez, Marrakesh, Agadir e outras, nomes muito mais relevantes na história universal que os das cidades de litoral.

Essa divisão linguística e um afastamento real entre ritos judaicos, pronúncias, local de residência, vestimentas e tradições familiares aportou em Belém. A primeira sinagoga, a Eshel Avraham, de 1826, foi uma sinagoga dos toshavim e a Shaar Hashamaim (Porta do Céu) de 1828, dos megorachim. Ambas existem até hoje em belas construções de 1947. Na diferença de pronúncia, a Eshel (bosque em hebraico) ficou conhecida como "Essel Avraham", o que intrigou diversos historiadores, pois "essel" não está em língua escrita alguma, e é apenas a forma como os toshavim pronunciam o "sh". Já Shaar Hashamaim é um nome encontrado através de todos os locais para onde judeus expulsos pela Inquisição foram parar, inclusive no leste, em Mumbai, na Índia.

Ainda segundo Benchimol, o terceiro grupo de imigrantes foi o dos sefartitas, judeus franceses expulsos durante a Guerra Franco-Prussiana, mais a frente em 1870-71. "Sefarty" é a palavra para francês, em hebraico arcaico. Estes falavam basicamente francês e não falavam ídiche ou as diversas línguas dos marroquinos.

Portanto, sefaraditas são de origem da Península Ibérica e sefartitas são de origem francesa, e não uma forma de escrita errada, como muita gente imagina.

Uma quarta corrente imigratória trouxe ashkenazitas. Apesar de ashkenaz ser a palavra em hebraico arcaico para a Alemanha, acabou-se considerando que os europeus de fala ídiche como alemães, poloneses, russos e europeus orientais, eram ashkenazitas. Com eles vieram também as Polacas para a Amazônia. A prostituição na região sempre existiu e a chegada de prostitutas judias foi apenas uma questão de abertura de mercado, indo onde o dinheiro estava e onde havia grande número de homens imigrantes e baixo número de mulheres. Sempre é preciso levar em conta que a prostituição era atividade legal no Brasil. Em Manaus, no Cemitério Municipal de São João Batista, Samuel Benchimol e Abraham Benmyual localizaram 17 túmulos de polacas com inscrições em hebraico e falecimento entre 1900 e 1920.

Durante e após a Primeira Guerra Mundial, mais de cem famílias ashkenazitas chegaram à Amazônia e o estatuto da Junta Governativa da Congregação Hebraica do Pará, de 1902, em seu artigo II diz que "sua duração será perpétua enquanto houver nesta cidade os hebreus do rito ortodoxo português ou alemão", como publicou Benchimol. Isso mostra uma presença ashkenazita anterior a 1902 e que os toshavim não são mencionado, correto?

Existe ainda outra corrente, a dos foinquinitas, judeus vindos da Turquia, Líbano, Síria, Egito, que falavam ladino e árabe e eram considerados genericamente como turcos. A designação tão estranha para nós vem de "foinquinos" que em haquitia significa fenícios.

No total 1.000 famílias judaicas chegaram a Amazônia, e este número é bem superior aos cerca de 1.000 judeus que residem em Belém em 2014. Ao longo do tempo muitas destas famílias ou descendentes vieram descendo pelas cidades com e sem judeus no Nordeste, procurando se fixar no Rio de Janeiro. Família, neste caso conta-se indivíduos únicos, geralmente jovens nos primeiros vinte anos de imigração e famílias com esposas e filhos a partir de então. Em 1883 os imigrantes marroquinos começam a vir da África diretamente para o Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro, judeus vindos de Belém participaram da fundação da União Israelita em 1864 e a mantiveram no "rito português" até os dias de hoje, como Shell Guemilut Hassadim, em Botafogo.

OUTROS CEMITÉRIOS JUDAICOS ANTIGOS DO PARÁ

São Miguel do Guamá, túmulo de Leon Israel falecido em 13/fev/1886,
foto de Salomão Larêdo


São Miguel do Guamá, foto de Salomão Larêdo






























Necrópole israelita de Óbidos, limpa e bem preservada pela prefeitura, foto de Salomão Larêdo


Os quatro túmulos de judeus no cemitério de Bragança, completamente abandonados. Apenas um deles (o mais próximo da foto, possui sua pedra superior onde se pode ler: "Abraham Marrashe, nasceu em setembro de 1869 e faleceu em março de 1912", foto de Salomão Larêdo


© José Roitberg
ABEC - Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais





















domingo, 19 de julho de 2015

História do Cemitério Israelita do Caju

O Rio Judeu Que o Povo Esqueceu

por José Roitberg - jornalista, pesquisador e Membro da ABEC

A Comunal Israelita é a instituição beneficente que gerencia três dos cemitérios israelitas no Rio de Janeiro. É encarregada do Cemitério Israelita de Inhaúma (Polacas) a partir de alguns anos após o falecimento da última membro da ABFRI - Associação Beneficente Israelita do Rio de Janeiro. Apesar de arcar com os custos da limpeza, conservação, reforma dos túmulos, recolocação de nomes que haviam desaparecido ao longo do tempo e da manutenção atual, a Comunal está impedida na justiça de realizar novos sepultamentos em Inhaúma devido a uma ação impetrada por uma parte. Em Inhaúma há 770 túmulos e local para outros 700, no mínimo. É um cemitério de muito fácil acesso atualmente.

caju
imagem Google Street View

O Cemitério Comunal Israelita foi inaugurado em 1955, praticamente no centro do Rio de Janeiro, como uma alternativa à longa jornada de trem necessária para se chegar á Vila Rosali. As ruas de acesso à Vila Rosali somente foram asfaltadas em 1963. A prefeitura dos anos 1960 foi sensível à demanda por um segundo cemitério israelita no município, entendendo que o da ABFRI não era considerado um cemitério adequado pela maior parte da comunidade judaica, devido ao sepultamento de prostitutas e cafetões. O primeiro pleito por um segundo cemitério no município foi feito em 1918. A área dos cemitérios do Caju já se encontrava urbanizada antes de 1850, com fácil acesso, inclusive bonde na porta.

CAJUO-AEREA

O terreno cedido fazia parte da área de indigentes do São Francisco Xavier que foi limpa e teve seu nível de terra rebaixado em vários metros. Atualmente a área de indigentes começa logo após o muro de trás do cemitério israelita que também é utilizado para gavetas do Caju. No início de 2015, foi realizado um contrato com a Santa Casa, para a expansão do Cemitério Israelita, novamente sobre a área de indigentes, mas com a posse da área sendo agora da empresa privada PAX, o acordo ainda não foi implementado.

vista do caju por trás
Cemitério Comunal Israelita do Caju, vista por trás a partir da quadra de indigentes do cemitério São Francisco Xavier, foto do autor

Inaugurado em 1955, o Cemitério Israelita do Caju possui mais de 6.500 sepulturas, inclusive vários mausoléus familiares ao longo de seu muro do lado direito. É um campo já quase totalmente ocupado, onde várias sepulturas são utilizadas em camadas para familiares, algo permitido no judaísmo. Recentemente até mesmo o andar térreo do prédio da administração foi removido para dar lugar a mais sepulturas. Sem o acordo de expansão este cemitério poderá ser encerrado.

cajuo acesso central coberto
Caminho central coberto do Cemitério Comunal Israelita do Caju, foto do autor

O comunal israelita optou por túmulos de média altura sem qualquer lápide vertical, na tentativa de criar um ambiente menos opressivo. Em 1975 foi inaugurado um Memorial do Holocausto, composto por seis grandes pedras trazidas de um rio de Teresópolis, simbolizando os seis milhões de judeus mortos pelos nazistas. O memorial está logo à entrada ao lado da capela.

caju memorial do holocausto
Memorial do Holocausto do Cemitério Comunal Israelita do Caju, foto do autor

NILÓPOLIS

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A comunidade judaica de Nilópolis começou a ser criada em 1920 com a chegada dos primeiros imigrantes europeus para aquele município, principalmente judeus alemães, e poloneses das regiões de fala alemã. Em seu auge, esta comunidade tinha apenas 300 família e muitos nasceram, viveram e morreram neste município vizinho ao Rio de Janeiro, hoje parte do Grande Rio.

nilopolis-aerea

O Cemitério Comunal Israelita de Nilópolis também foi criado no alto da colina, na área de indigentes do cemitério municipal com o qual compartilha seu muro dos fundos. Foi inaugurado em 1934 e o primeiro sepultamento ocorreu no ano seguinte.

cemitério comunal israelita de nilópolis grande número de túmulos recuperados
Vista parcial do Cemitério Comunal Israelita na Nilópolis, foto do autor

Nos últimos anos foi totalmente reformado e vem sendo uma opção de baixo custo para a comunidade judaica e é o local utilizado para os sepultamentos gratuitos de quem de fato não tem como arcar com as despesas. Há pouco mais de 1.000 sepulturas e espaço para alguns milhares de túmulos.

cemitério comunal israelita de nilópolis quadras vazias
Mais de 3/4 do Cemitério Comunal Israelita na Nilópolis ainda não foram utilizados, foto do autor

Este cemitério possui o que era a única Guenizá (túmulo para rolos de Torá danificados e outros objetos litúrgicos e livros religiosos), até a criação da segunda no Cemitério Israelita de Vilar dos Teles nos anos 1990. Assim todos os sepultamentos litúrgicos a partir de 1934 ocorreram neste local. Foi construído com espaço de 9 metros cúbicos.

gueniza de nilopolis
Guenizá do Cemitério Comunal Israelita na Nilópolis estabelecida em 1935 com exterior reformado em 2009, foto do autor, ainda não foi localizada foto da instalação original.

O cemitério fica totalmente cercado por uma Comunidade local, que em 2015 se encontrava tomada pelo tráfico, dificultando sua utilização e tornando pouco segura a ida lá. O cemitério municipal passa por dificuldades ainda maiores, pois os criminosos violam túmulos e os utilizam para esconder armas e drogas. Durante a reforma do cemitério Israelita, a Comunal asfaltou todas as ruas do acesso e entorno do cemitério melhorando a vida de toda a Comunidade.

nilopolis placa

O maior problema para o uso deste cemitério é o acesso feito pela Avenida Brasil que pode demandar uma viagem de mais de duas horas entre a Praça da Bandeira e o cemitério, em dias não muito complicados.

A Comunal Israelita também faz a manutenção dos mais de 2.000 túmulos judaicos da quadra de acatólicos do Cemitério São Francisco Xavier, seu vizinho de muro. Quando o Israelita do Caju foi fundado um número considerável de sepulturas judaicas foram exumadas e  transferidas por familiares do Caju católico para o Caju israelita.

Vídeo oficial produzido pela Comunal Israelita em 2011 sobre os três cemitérios.

© 2014 José Roitberg - jornalista e pesquisador
ABEC - Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais

quinta-feira, 16 de julho de 2015

História do Cemitério Israelita da Vila Rosali

O Rio Judeu que o Povo Esqueceu

E História da Chevra Kadisha – Por José Roitberg - jornalista, pesquisador e  - Membro da ABEC

A Sociedade Religiosa Israelita Chevra Kadisha é incontestavelmente uma instituição da Comunidade Judaica que trabalha integralmente dentro do tripé do Judaísmo: Torá, Avodá e Guemilut Hassadim (Religião, Trabalho e Justiça Social).

CHEVRA KADISHA BARÃO DE IGUATEMI
Prédio atual da Chevra Kadisha - RJ, rua Barão de Iguatemi 306

Cada judeu e cada instituição judaica deveria estar inserida em pelo menos uma destas três bases. Por Torá entende-se o estudo propriamente dito das leis religiosas e da sua implementação. Avodá é o trabalho, pois os judeus precisam sustentar não apenas a si próprios, mas também auxiliar as pessoas em dificuldades. Isto se estende também às instituições dedicadas à Guemilut Hassadim, que é a justiça social, no sentido mais simples de não permitir a pobreza judaica e de redistribuição de renda.

Segundo seu estatuto, a Chevra Kadisha tem por objetivo: I - Manter e administrar seus cemitérios, a fim de proporcionar aos associados e seus familiares, a assistência ritual e religiosa judaica, no caso de falecimento, designando-lhes o local para sepultamento, em cova rasa perpétua; II - Prestigiar e auxiliar, financeiramente, as instituições judaicas de cunho beneficente, filantrópico, cultural, educacional ou religioso, com existência legal no País; III - Incentivar o estudo e estimular a prática da religião judaica.

Assim, a Chevra Kadisha faz uma enorme e dignificante trabalho ao adquirir terrenos destinados a servir de campo funerário, realizar as obras necessárias para tal destinação, manter segurança e prover os sepultamentos segundo as regras ortodoxas judaicas. Ela atua rígida e especificamente dentro dos ditames da Torá, garantindo, assim, a purificação e os sepultamentos em conformidade com as regras da ortodoxia judaica. Também é extremamente ativa na redistribuição de renda dentro da Comunidade Judaica, apoiando a educação formal (escolas); a informal (os movimentos juvenis sionistas e os grupos escoteiros, enquanto existiram); festivais de dança e filmes; os programas esportivos da Macabi; o Centro de História e Cultura Judaica (vinculada à ARI - Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro); o aperfeiçoamento de professores; os projetos educacionais mais amplos, como a Marcha da Vida (visita internacional conjunto ao campo de concentração de Aushcwitz, na Polônia); a impressão de um grande número de livros de autores judeus ao longo da história (como vários dos historiadores Egon e Frieda Wolf); todas as mídias judaicas ao longo dos tempos; ciclos de palestras; impressão de livros de orações (sidurim e machzorim) para as sinagogas; comemorações como a da Independência de Israel; Dia do Gueto; Dia do Holocausto; Dia de Jerusalém; aporte nas entidades assistenciais (como os lares de idosos e das crianças); apoio consistente aos projetos de kashrut de sinagogas; à FIERJ etc. Na MENORAH (setembro de 1974) vemos que a Chevra foi fundamental para a construção da sinagoga Beth Aron, inaugurada em 1962, em Laranjeiras.

Enfim, a Chevra Kadisha usa parte de seus recursos em manutenção, limpeza, segurança e melhoria e acréscimo de suas instalações, como a necessidade de elevar muros cada vez mais altos em perímetros enormes, bem como para patrocinar projetos comunitários integral ou parcialmente, sem jamais levar em consideração a ideologia ou a linha religiosa dos pretendentes ao apoio financeiro de seus respectivos projetos. Recebe contribuição de todos os judeus e a oferece a todas a instituições. Isso é Guemilut Hassadim, na prática e na teoria.

O nome Chevra Kadisha é oriundo do aramaico e significa ‘Sociedade Sagrada’. É a instituição responsável por um trabalho fundamental e antigo entre os judeus para a purificação ritual dos corpos, a ‘tahará’, e seu sepultamento dentro das normas em cada local e cada época. Este trabalho é considerado ‘chesed shel emet’ (traduzido livremente quer dizer ‘uma boa ação de verdade’). Atualmente a tahará é feita apenas na sede da instituição, na Rua Barão de Iguatemi, e não mais nos cemitérios, embora todos eles possuam instalações muito adequadas para esta função dignificante.


COMO TUDO COMEÇOU

Yehuda Leib Scherechevswky
Rabino Yehuda Leib Schereschevsky e seus familiares na década de 1920, foto publicada pela revista Menorah (RJ)

Em 1913, chegou ao Rio de Janeiro seu primeiro rabino ortodoxo. Chamava-se Yehuda Leib Schereschevsky. Segundo a história contada por sua neta, ficou sem comer carne até 1923, por não aceitar a kashrut (as normas alimentares de higiene judaica) que existiam por aqui. Pelo que entendemos ele foi o rabino da Sinagoga Beit Yakov (denominada Associação Beth-Jacob), fundada no início de 1916, registrada em 15 de junho de 1916 e dissolvida em 1935 (os documentos da instituição foram destruídos no desabamento da Biblioteca Bialik de 1957) e foi o rabino das primeiras tentativas do estabelecimento de um cemitério judaico ortodoxo, que resultou em Vila Rosali e na criação da Chevra Kadisha, numa luta iniciada em 1918, segundo ele, devido ao grande número de enterros de judeus, vítimas da Gripe Espanhola, no São Francisco Xavier. À diferença da sinagoga das Polacas em funcionamento desde 1906, os estatutos desta associação ortodoxa definiam em seu Capítulo 2, art 2o, parágrafo 2o que os sócios deveriam "ter um procedimento moral conforme o Decálogo" (Os 10 Mandamentos).

A imigração de judeus europeus tinha sido incrementada após o final da Primeira Guerra Mundial, tanto para fugir das economias devastadas na França, Bélgica, Alemanha, Áustria, Polônia e Romênia, quanto para fugir do comunismo que estava se consolidando na Rússia.

Os sefaraditas-árabes tinham seus próprios rabinos e eles não falavam iídiche, tal fato os mantinham dissociados da nova imigração europeia. Naquele momento havia cinco cemitérios onde os judeus podiam ser sepultados.

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Cemitério dos Ingleses a beira mar, no Saco da Gamboa em pintura de 1840

O cemitério dos Ingleses, na Gamboa, aberto em 1820 e o mais antigo do país, onde repousam cerca de 70 judeus aqui aportados a partir de 1810, quando caiu a lei portuguesa de 300 anos a qual proibia os judeus de residirem em quaisquer ‘terras lusitanas’. O Cemitério do Catumbi, a primeira necrópole pública do Brasil, descanso final do judeu David Morethson Campista, advogado, economista, político e diplomata e Ministro da Fazenda durante o governo de Afonso Pena. O São João Batista, em Botafogo, onde gente de todas as origens está embolada (inclusive mais de 400 judeus de todas as épocas).

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O Cemitério de São Francisco Xavier (Caju), em sua configuração original a beira mar. A quadra de acatólicos fica à direita na foto. Notar a fila dupla de palmeiras imperiais que dava a volta em toda a ponta do Cajú. Foram removidas durante a construção da Avenida Brasil que exigiu o levantamento do piso desta rua em 30 cm.

O Cemitério de São Francisco Xavier (Caju), no qual foi criada uma “Quadra dos Acatólicos” para serem sepultados protestantes, anglicanos, ateus e judeus.

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Túmulo de Sigfried Nathan, judeu, de 1873 no Cemitério de São Francisco Xavier, foto do autor

Há cerca de 2 mil túmulos judaicos apenas nesta quadra separada, sendo o mais antigo de 1873 (do alemão Sigfried Nathan). O Caju foi também o cemitério das “polacas” até 1916. Os enterros pré-1904 foram realizados pelos parentes e amigos e pelos rabinos em atividade nas mais diversas sinagogas. Não havia uma associação funerária.

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Foto de inauguração do Cemitério Israelita da Inhaúma (A Noite 30/10/2906)

Em 1906 as polacas criam a ABFRI - Associação Beneficente Funerária Religiosa Israelita, legalizada em 1913, e não há registros se a ABFRI controlava todos os enterros. Notícias de jornais nos mostram que ela atuava publicamente desde 1904. Porém em 1915, recebeu a autorização da Prefeitura do então Distrito Federal para a compra do terreno anexo à área de indigentes do Cemitério Municipal de Inhaúma, solicitado desde 1911. Lá se estabelece o Cemitério Israelita de Inhaúma, primeiro apenas judaico, para seus associados e a comunidade em geral, como uma forma de negócio, sem qualquer caráter beneficente. Há 770 judeus enterrados lá. Ver matéria específica neste link Cemitério Israelita de Inhaúma - Polacas

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Cemitério Israelita de Inhaúma, foto do autor (23/09/2012)

Assim, até 1920 estas eram as opções para enterros judaicos: ao lado das prostitutas e cafetões, figuras tratadas como párias em vida, ou junto de cristãos. Pelo volume dos sepultamentos, sabemos que cada um decidiu para si o que achou melhor. Até aquele momento não havia qualquer tipo de questionamento sobre validade de sepultamento pela halachá (lei judaica), ou de como seria a matzeiva (o "monumento" construído sobre o túmulo). Praticamente todos os túmulos de “polacas” e outros do período pré-1940 no Caju ou em Inhaúma contêm dizeres absolutamente corretos de acordo com as normas da ortodoxia judaica. Tanto é assim que o campo de Inhaúma possui quadras separadas por sexos, tal como se pratica em vida, no interior das sinagogas ortodoxas. Norma que a Chevra Kadisha deixaria de aplicar posteriormente.

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Dístico original da porta de entrada da sinagoga Beth Jacob preservado no Museu Judaico do Rio de Janeiro, foto do autor

Então para os imigrantes europeus as opções existentes eram inaceitáveis e se tornava necessário um cemitério próprio. O grupo dirigente da Sinagoga Beth Jacob, a qual em 1920 se localizava no número 130 da Rua Visconde de Itaúna (segundo o “Almanak Administrativo” de 1928) em cima do botequim de José Esteves Barros, considerada a principal sinagoga ashkenazita (as outras eram o Centro Israelita, no número 143 da mesma rua, ambas na Praça Onze, e a ABFRI, estabelecida do outro lado da Praça da República, o lado árabe, no sobrado do número 54), decidiu formar uma comissão. Tentaram obter um terreno junto à prefeitura do Rio de Janeiro, que respondeu negativamente, declarando que já existia um cemitério judaico municipal, o de Inhaúma.

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O prédio original da ABFRI, Praça da República 54 ainda existe e é o azul, hoje um anexo do Tribunal de Contas (TCE), foto do autor

Foi adquirido então, através da prefeitura de Nova Iguaçu um terreno na afastada localidade de Vila Rosali, no então distrito de São João de Meriti, e criada a Sociedade do Cemitério Israelita do Rio de Janeiro, em 1º de março de 1920 (segundo a historiadora Frieda Wolff), e imediatamente passou a operar “em terreno adquirido com autorização do Governo Federal (Correio da Manhã, 03/02/1932)”.

O que deveria ser uma solução redundou em confusão. Em 9 de julho de 1921, alguns meses depois de iniciado o funcionamento de Vila Rosali, a diretoria da Sinagoga Beth Jacob se reuniu para tratar “dos assuntos da Sociedade do Cemitério Israelita do Rio de Janeiro, da qual, a sinagoga forma parte e da qual também possui imóveis que se acham na estação São João de Merity, tendo em conta que a dita Sociedade do Cemitério Israelita não preenche seus fins, como provam os casos dos enterros da Sra. Jacob Brunstein, da Sra. Nachmam Fichbein, de dois filhos de Moisés Schoichet e de um israelita desconhecido, vindo de Kalich, enterros que foram realizados em desacordo com a religião e costumes israelitas” (Correio da Manhã, 10/07/1921 – Pag. 4). Como nenhum enterro até 1920 foi em ‘desacordo’ com a religião, é lícito depreender que havia discordância com a visão religiosa dos diretores da Beth Jacob daquele momento. E estes foram os primeiros enterros em Vila Rosali. O Moisés Schoichet citado no documento não é Moisés Singer, um dos fundadores da Sociedade do Cemitério Israelita, conhecido pelo apelido de ‘Moishe Shoichet’, que além de se dedicar ao abate ritual kosher, circuncidou mais de 25 mil meninos judeus no Brasil. Segundo o Dr. Luiz Chor, neto mais velho de Singer, havia uma placa de bronze com a lista de todos os fundadores junto à entrada original do cemitério. A placa se perdeu em algum momento desconhecido, assim como a sua ata de fundação.

A sinagoga Beth Jacob demonstrou ser especificamente autoritária nos seus comunicados e simplesmente decidiu: "1º - Dissolver a Sociedade Cemitério Israelita do Rio de Janeiro. 2º - Anular desde já todas as procurações e direitos dados aos Srs. Anno Lente, Boris Kuschnir, Moisés Oineff e Samuel Oineff, para assinar ou registrar documentos, cobrar dinheiro, ou efetuar qualquer ato em nome da Sociedade Cemitério Israelita, ou da Synagoga Beth Jacob. Assina: Simja Kupermann presidente da sinagoga. (Correio da Manhã, 10/07/1921 – Pag. 4)". O mesmo texto ainda convocou "todos os israelitas honrados" para uma assembleia a fim de fundar nova Sociedade pró-Cemitério Israelita do Rio de Janeiro. Assim, com a sociedade desfeita, foram mantidos na história os nomes dos ashkenazitas que puseram a mão na massa e iniciaram os trabalhos do Cemitério Israelita de Vila Rosali.

  padaria sterenkrank em Vila Rosali foto da RaquelÚnica foto conhecida de Abraham Szterenkranc (à esq) em sua padaria em Vila Rosali, cedida por sua filha Raquel

E por falar em massa, conhecemos outro dos fundadores: foi Abraham Szterenkranc, que se estabeleceu em Vila Rosali antes do cemitério, construindo lá uma padaria (também kosher) a menos de 200 metros do portão original do cemitério. Lá foi certamente um ponto de encontro de quem ia e vinha para os sepultamentos, enquanto se esperava o trem. Segundo nos conta Rachel Szterenkranc, como seu avô residia ali, foi ele quem fez os primeiros sepultamentos, se forjando padeiro-coveiro. O prédio da “Padaria Szterenkranc” ainda existe, bem como a antiga chaminé do forno de matzá. Foi onde se iniciou a marca Tikva, consumida no Rio de Janeiro por décadas. Posteriormente a marca foi vendida para outra família que, por sua vez, estabeleceu uma nova fábrica de matzá na Rua de Santana, fechada há poucos anos. Há matéria completa sobre este tema.

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Entrada moderna do Cemitério Israelita da Vila Rosali, foto do autor

Mas a questão Beth Jacob e a Sociedade iria se arrastar por muito tempo. Enquanto Simja Kuppermann, provável detentor da posse do terreno, queria criar uma nova Sociedade, no dia 16, a antiga convocava uma assembleia para aprovar o estatuto da Sociedade. Quem assinou a convocação foi um quinto nome do grupo original, o Sr. Samuel Linetsky, então secretário (Correio da Manhã, 28/07/1921 – Pag. 7).

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Vista para a direita da região da entrada original, que ficava no alinhamento do arruamento por onde estão as pessoas na foto. As quadras de túmulos menores e baixos à direita são de crianças, foto do autor

Naquela reunião entrou em ação o emblemático Jacob Schneider, líder político comunitário, ativista sionista, proprietário de várias lojas de móveis na Praça Onze e na Rua do Catete. Outra nota publicada pela Beth Jacob acusou Schneider de “impor novamente como presidente, o Sr. Anno Lent e como vice, Boris Kushnir” (Correio da Manhã, 1º/08/1921). Segundo a nota, houve uma discussão danada entre os sócios presentes, nada foi resolvido e a Beth Jacob resolveu fundar sua própria sociedade – novamente – e exigir a divisão forçada dos bens imóveis. Bem, isso nunca aconteceu. Pelo que parece, consumida pelo seu autoritarismo e conceitos religiosos próprios e radicais, quem se extinguiu em 1935 foi a Sinagoga Beth Jacob, num raro edital de convocação de assembleia para dissolução e destino dos bens (Correio da Manhã, 27/04/1935 – Pag. 13).

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Vista para o centro, podendo se ver o mausoléu do rabino-chefe Guertzenstein, mais escuro e mais afastado o Memorial Reduto dos Mártires (do Holocausto). A construção em último plano abriga entrada, secretaria, salões para o início da cerimônia de enterro (capelas) e as salas de tahará, lavagem ritual dos corpos, hoje desativadas. Foto do autor

Em agosto de 1922 a Sociedade prosseguiu se consolidando e já chamava para assembleia de prestação de contas e eleição de diretoria. Entre 1920 e 1928 foram sepultadas 280 pessoas em Vila Rosali e as fichas destes enterros se perderam. De 1929, até hoje, há um registro completo, ordenado e digitalizado. As fichas foram preenchidas em iídiche, mas em algum momento todos os nomes foram traduzidos. Sabe-se por matéria no Jornal ‘A Noite’ (11/09/1923) que polacas e caftens ofereceram pagamentos vultosos para serem enterrados em Vila Rosali, mas o local, denominado naquele momento como ‘Cemitério Israelita do Rio de Janeiro’, sempre recusou as ofertas. Em 1923, o presidente da Sociedade era o Sr. Motel Zveiter.

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Vista para a esquerda com alguns dos túmulos mais antigos. Após o muro branco há um estreito acesso da estação de trem à rua, complicado, inseguro e desagradável, confinado entre os muros do cemitério israelita e do municipal, foto do autor

Desde 1920, o cemitério foi estabelecido já com a definição junto à Prefeitura local de que não haveria exumações. Para Inhaúma, administrado pela Prefeitura do Distrito Federal, foram publicados vários editais de exumação por falta de pagamento renovatório dos túmulos. O Estado só entenderia que os judeus não exumam seus mortos em 1925, após várias reuniões com a ABFRI. Esta é a razão de muitos túmulos antigos no Caju contarem com a inscrição E.P.P.S. (“Está Pago Para Sempre”), ou J.P. (“Jazigo Perpétuo”) em suas lápides, ou ainda outras variações sobre o mesmo tema, como: PS - Para Sempre e SP - Sepultura Perpétua.

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Exemplo de sepultura judaica de 1894 com a pedra picada com a mensagem de não exumação. No cemitério São Francisco Xavier (RJ), túmulo 290, foto do autor

Conforme a lembrança do Sr. Herman Glanz, a primeira sede da Sociedade do Cemitério Israelita era à Rua Visconde de Itaúna, perto da esquina da Rua de Santana, para a qual se mudou em seguida. Herman ainda se recorda de ter ido a velórios na Rua de Santana. De lá todos iam para a estação de trem de Francisco Sá – hoje demolida ao final da Rua Ceará – do Ramal da Leopoldina Railway. Antes da disseminação dos telefones entre os judeus, alguém ia até a estação e pedia pessoalmente a colocação de um vagão funerário para levar o esquife. Os familiares e demais pessoas compravam passagem em um vagão normal. A viagem levava cerca de uma hora e o desembarque era em uma elevação de terra na porta do cemitério. A única entrada do cemitério foi por ali até 1960. É costume dos cemitérios israelitas ordenar o sepultamento a partir da porta. Assim, os que ficaram próximos à entrada, hoje estão nos fundos.

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Atual estação de trem Vila Rosali, o cemitério fica à direita e não há entrada por este lado.

Em 1925 o Ministério da Viação atendeu ao pedido da Sociedade Cemitério Israelita para os trens pararem no cemitério quando levando caixões para os enterros. Desta parada surgiu a estação Vila Rosali, inaugurada em setembro de 1929: "... que os trens da Estrada de Ferro Rio D'Ouro, quando conduzirem esquifes, façam parada em frente ao cemitério de sua propriedade" (A Noite e outros, 20/10/1925). Era uma época sem muros. De fato, os muros não são vistos nem no filme de 1947 da cobertura do ‘Enterro do Sabão’, a inauguração do primeiro Memorial do Holocausto nas Américas, em 1947, objeto de matéria completa na edição 644 de MENORAH, de maio de 2013.

Não fazemos ideia das durezas do passado. A purificação ritual dos corpos (tahará) antes do sepultamento é uma necessidade na religião judaica. Mas você acha que havia água encanada em Vila Rosali em 1920? Pois não havia mesmo! Doze anos depois, em 1932, uma comissão da Sociedade Cemitério Israelita, composta pelos Srs. Emílio de Mesquita, Luiz Ferman (presidente naquele momento) e Henrique Perelberg foi recebida pelo Ministro da Educação e Saúde, o célebre Dr. Francisco Campos (‘Chico Ciência’) para pleitear água encanada (Correio da Manhã, 03/02/1932). ‘Chico Ciência’ aceitou o pedido e em breve a água de poço estaria esquecida para sempre. Segundo o pedido, os canos já estavam passados e operando na região, inclusive atravessando o terreno do cemitério, mas o departamento de águas e esgoto indeferiu uma solicitação anterior para a colocação de um hidrômetro. O asfalto só chegou às ruas do entorno e acesso a partir da Via Dutra em 1963, por intervenção do deputado estadual Gerson Berger. Com as ruas asfaltadas, o cemitério muda de configuração, constrói seu prédio atual e inverte a entrada. Por alguns anos ainda existiu uma porta estreita para a Estação Vila Rosali, mas depois foi emparedada. Não há fotos conhecidas da entrada original deste cemitério, ou de obras realizadas na região.

As atas entre 1920 e 1947 foram escritas em iídiche e não existem mais. É provável que tenham sido intencionalmente destruídas após o governo Vargas proibir todas as publicações em língua estrangeira durante a Segunda Guerra Mundial, para evitar qualquer suspeita sobre a entidade que se manteve bem discreta, quase sumida. Não existem fotos antigas. Na mídia geral aparece somente nas datas citadas nesta matéria. De 1947 até 1956, todas as atas existem em iídiche manuscrito e pelas poucas linhas, quase não há informações. São documentos muito informais e pouco informativos. A partir daí todas são completas, burocráticas, em português, com todos os dados e projetos contemplados.

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Entrada do Memorial Reduto dos Mártires, foto do autor

Em 1948, ainda com bastante espaço no cemitério ‘velho’, mas muitos dos locais disponíveis já reservados ou adquiridos, é inaugurado o cemitério ‘novo’, a menos de um quarteirão de distância. A placa de inauguração deste novo campo também se perdeu. Em 18 de dezembro de 1949 foi lançada a pedra fundamental do ‘Reduto dos Mártires’, a construção conhecida como ‘Memorial do Sabão’. O Memorial ainda existe, bem conservado, no centro do cemitério. Há matéria completa disponível sobre O Enterro do Sabão. A única outra construção que lhe faz sombra é o grande mausoléu da família do rabino Marcos Guertzenstein (falecido na Bahia). Guertzenstein foi primeiro grão-rabino ashkenazita do Rio de Janeiro.

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Mausoléu do rabino-chefe Marcos Guertzenstein e da esposa dele, o único que existe em todos os cemitérios operados pela Chevra Kadisha do RJ, foto do autor

O ano de 1956 foi emblemático. Uma assembleia geral em 18 de novembro elege nova diretoria e decide pelos documentos em português. Foi a primeira vez que a entidade se denominou publicamente como ‘Chevra Kadisha.’ Seu presidente era Walter Weistman e o vice era Abram Erlich. Em 27 de março de 1960 findou a construção do prédio, atualmente a entrada do Cemitério de Vila Rosali Velho. A obra foi do engenheiro Pinhas Scolnik e do Dr. Guido Cohen, na presidência do rabino Moises Zingerevich.

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Entrada do Cemitério Israelita de Vilar dos Teles, foto do autor

Com a redução de espaços disponíveis em Vila Rosali, a Sociedade adquiriu o terreno de Vilar dos Teles. Sua construção ocorreu entre 1989 e 1990, quando foi inaugurado, na gestão de Jorge Jurkiewicz e Izak Kimelblat como vice. O idealizador da obra, já falecido naquele momento, foi o Dr. Leão Fajwus Gleizer, ex-presidente. Cada um dos cemitérios é um reflexo arquitetônico de sua época e Vilar dos Teles possui uma configuração arejada, muito verde, florida, a qual transmite mais tranquilidade com as matzeivot baixas.

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fotos do autor

Contrasta com os cemitérios antigos, áridos e de certa forma sufocantes com suas matzeivot altas escuras. Em 28 de setembro de 1997 foi inaugurado o Memorial do Holocausto, projeto de Jacob B. Goldemberg, e em 8 de dezembro de 2002 uma guenizá (local para enterro de rolos de Torá danificados e outros paramentos litúrgicos). A única existente até então, no Rio de Janeiro, ficava no Cemitério Israelita de Nilópolis.

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Guenizá do Cemitério Israelita de Vilar dos Teles, próxima à capela, foto do autor

A sociedade era gerida por uma diretoria de 18 membros, eleita de forma democrática por três anos, e por um Conselho Deliberativo de 30 sócios. O Estatuto da Chevra Kadisha segue a orientação do Shulchan Aruch, uma compilação das regras de conduta judaica – Halachá (“Caminho”) baseada no sistema legal judaico pós-bíblico, ou seja, no Midrash, na Mishná e no Talmude.

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Capela do Cemitério Israelita de Vilar dos Teles, fotos do autor

A Chevra Kadisha criou há cerca de 30 anos uma nova metodologia de arrecadação de fundos. Foi na gestão do Sr. Max Dolinger (1986/1992), em que se adotou o critério de oferecer às famílias, exatamente em seus momentos de profunda dor, distintas localizações com variedade de preços e de possibilidades de pagamento previamente conhecidos, de tal sorte que é a família, a seu critério, quem escolhe o que entende ser possível e adequado à sua realidade, gerando assim uma absoluta tranquilidade no relacionamento da Chevra Kadisha com o Ishuv.

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Vista parcial de uma das quadras de Vilar dos Teles tomada em direção ao portão, foto do autor

A gestão de Nilton Aizeman (1992/1998) criou regras importantes no processo de doações. Foi quando passou a ser prévia e anualmente determinado os percentuais da verba de donativos a serem destinados para cada segmento de atividades da comunidade, dividindo o montante das verbas, cuja distribuição é: para Educação (formal e informal com 50%), Religião (30%), Assistência Social (10%) e Cultura e Lazer (10%). Esta ação, aparentemente simples, mas que requer permanente avaliação, trouxe a desejada transparência ao processo de doações da instituição.

Posteriormente, em 2007, a Chevra Kadisha instituiu normas e critérios disciplinando a apresentação e aprovação de projetos que demandassem seu apoio financeiro, de pleno conhecimento das instituições judaicas do Rio de Janeiro.

Podemos ter a certeza absoluta de que a Chevra Kadisha permanecerá em seu rumo de Torá, Avodá e Guemilut Hassadim, enquanto houver judeus no Rio de Janeiro.

Presidentes da Chevra Kadisha: 1920 - Anno Lent z'l; 1923 - Motel Zveiter z'l; 1932 - Luiz Ferman z'l; 1956 - Walter Weistman z'l; 1961/1964 - Rabino Moisés Zinguerevich z'l; 1968/1974 - Jayme Roizenblit z'l; 1974/1980 - Chaim Henoch Zalcberg; 1980/1986 - Leão Fajwusz Gleizer z'l; 1986/1992 - Max Dolinger; 1992/1998 - Nilton Aizenman; 1998/2004 - Eliezer Lewin; 2002/2008 - Mauro Rodin; 2008/2014 - Paulo Chor.

OBS 1: Nos três cemitérios gerenciados pela Chevra Kadisha no Rio de Janeiro há cerca de 28.000 sepulturas na data de fechamento deste artigo.

OBS 2: Por determinação na família, não temos autorização para publicar a foto do primeiro túmulo do Cemitério Israelita da Vila Rosali.

© 2014 José Roitberg - jornalista e pesquisador
ABEC - Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais

quinta-feira, 9 de julho de 2015

VII Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais

APOIO ICONOGRÁFICO DO TRABALHO SOBRE ENTERRO JUDAICO E CEMITÉRIOS JUDAICOS.

por José Roitberg - jornalista, pesquisador e membro da ABEC

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Túmulos Cemitério Israelita de Vila Rosali, no Rio de Janeiro, mostram vários elementos tradicionais básicos. À direita temos no alto a Estrela de David com as letras Pei e Nun, inscritas, que significam em hebraico, Pó Nikbar (Aqui Jaz). Na última linha desta lápide e da maior parte dos túmulos judaicos antigos encontramos outro grupo de 5 letras, que podem ser separadas por pontos, ou não (como estas) que significam “Que sua alma faça parte da Corrente Eterna da Vida” e indica que este sepultamento foi pelos ritos ortodoxos.

Na lápide à esquerda vemos uma Estrela de David simples no alto, e na pedra principal as mãos na posição da “benção dos coanim” (dos sacerdotes do Primeiro e Segundo templos de Jerusalém), indicando que o falecido acreditava ser de uma família oriunda dos coanim. As letras Pei e Nun estão abaixo da imagem da das mãos.

 

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Detalhe de uma ala especificamente feminina em um cemitério judaico na Ucrânia onde todos os túmulos possuem detalhes diferentes, provavelmente ligados a um modismo local do século XVIII, mas todos possuem o castiçal de 5 velas, um castiçal apenas funeral e de luto judaico, atualmente em desuso, que remete aos 5 estados da alma judaica: Nefesh, Ruach, Neshamá, Iechidá e Chaiá. Se alguém quiser ter um entendimento mais completo destes cinco estados, temos um bom texto em inglês neste link.

 

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Lápide do século XVIII em cemitério na Criméia (ex-Ucrânia) traz, à direita um castiçal de três velas, indicando ser um túmulo feminino de mulher que acendia as velas do shabat, e consequentente praticava a religiosidade judaica e à esquerda, a flor de seis pétalas, típica dos túmulos judaicos em países árabes ou sob dominação islâmica quando a estrela de David e a candelabro de 7 velas (a Menorá) eram proibidos. Naquele momento histórico a Criméia pertencia ao Império Otomano.

 

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Túmulo judaico feminino na Alemanha, do século 19, traz a flor de três pétalas em formato moderno de estrela, numa configuração pouco usual, pouco documentada e cujo o significado para parte da comunidade judaica se perdeu. É pouco provável que a família Schwarz fosse oriunda de área muçulmana.

 

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Lápide do século 18, no cemitério da cidade de Klatovi, na República Tcheca, traz o cacho de uvas, símbolo já esquecido de um Israel idealizado antes da existência do sionismo e do próprio estado.

 

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Uma jarra nesta lápide do início do século XIX na Alemanha indica que o falecido acreditava ser descende da tribo de Levi, dos levitas, funcionários e operários do Primeiro e Segundo templos de Jerusalém. As pinhas, não remetem a significado judaico conhecido devem ser ou modismo de época ou algo pessoal relacionado com a vida do falecido.

 

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Neste cemitério da Inglaterra do século XVII temos lápides típicas que foram utilizadas ao longo da Idade Média e pouco depois com um pequeno relato da vida do falecido. Os dois túmulos da esquerda com jarras sendo despejadas são túmulos de homens levitas e o da direita, de homem coen. Nestes túmulos não vemos as letras Pei e Nun, e sim Pei e Tet, que significam “Aqui foi escondido ou encoberto” o falecido, no sentido de estar fora das vistas das pessoas. É um modismo antigo e não mais utilizado.

 

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Um shofar, ou instrumento de sopro litúrgico feito com um chifre de carneiro, nos diz que o falecido era quem o tocava nas cerimônias religiosas. Neste caso, o picador de pedra não sabia como fazer o instrumento e o picou parecendo um cachimbo.

 

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O livro aberto indica ser um estudioso da Torá e das leis judaicas e a faca nos informa que ele era o ‘shoichet’, o judeu responsável por abater animais e aves para alimentação de acordo com as leis de higiene judaicas. Um shoichet poderia ser também um açougueiro ou não. Era comum nas pequena aldeias antigas que as mulheres comprassem suas galinhas vivas e o shoichet passasse nas casas das pessoas para realizar o abate de forma profissional se sustentando com as pequenas quantias obtidas.

 

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Como acima, temos o livro aberto junto a duas pequenas facas de formato pouco usual. Elas eram os instrumentos do ‘moel’ o responsável por fazer a circuncisão nos meninos no oitavo dia de vida.

 

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Duas lápides de rabinos em cemitério do século XVIII na Alemanha nos mostram livros em duas configurações bem distintas. O da direita é um coen, fazendo o sinal da benção dos sacerdotes e o da esquerda, com um leão é um membro da tribo de Judah.

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Leões podem vir nas mais diversas configurações e há detalhes que podem complicar o entendimento. Temos a jarra, que indica o falecido ser um Levi, então ele não pode ser Levi e Judah ao mesmo tempo. Para dificultar um pouco as coisas, houve momentos históricos em que as pessoas atribuíam as figuras de animais às pessoas falecidas cujos nomes próprios, nas mais diversas línguas remetiam ao tal animal, o que parece ser este caso. O falecido, provavelmente chamava-se Arie, Judah, Leib ou Loew.

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Os túmulos judaicos costumam ser modestos, mas você pode se deparar com artes grandes, caras e sofisticadas como este leão no Velho Cemitério Judaico de Praga. Abaixo, detalhes deste cemitério no antigo bairro judaico, que já foi cidade judaica de Josefov. Foram contadas 12.000 lápides amontoadas desta forma, mas estima-se que haja 100.000 sepultamentos no local em suas várias camadas de terra. A lápide mais antiga localizada é de 1439 e a última é de 1787. Chama-se originalmente “O Jardim Israelita”. A ‘lei judaica’ não permite que o cemitério seja escavado. Assim historiadores divergem com contas que variam de 5 a 12 camadas de sepultamentos.

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A imagem de um veado nos indica ser o sepultamento de alguém relacionado a tribo de Naftali. No caso de homens, poderia ser pessoas chamadas Zvi ou Hirsh, mas o buquê de flores com uma grande rosa virada para baixo além de uma flor menor ao lado nos indica ser um túmulo feminino.

 

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Uma coroa nos indica ser o túmulo de um rabino chefe de cidade, região ou mesmo de país. Incidentalmente também era ele quem tocava o shofar nas cerimônias religiosas onde isso era necessário. Apenas homens podem tocar tal instrumento.


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Como deixamos claro no artigo, não há regras escritas que padronizem túmulos judaicos. Na realidade, cada um faz o que quer. Esta coroa de rabino-chefe no túmulo de frau Mina Kohn, nos leva a imaginar ela ter sido esposa de um rabino-chefe. À direita o túmulo de um coen.

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Pássaros são utilizados em túmulos de moças possivelmente virgens, mas curiosamente são encontrados no Brasil em túmulos de prostitutas judias, das Polacas. É só uma inferência, imaginar que elas talvez tivessem mandado picar pássaros em seus túmulos esperando que no futuro, quando alguém os observa-se tivesse a certeza de que eram moças novas e virgens e não prostitutas. Mas não leve isso como fato, ok. Temos ainda dois castiçais com as velas de shabat partidas indicando uma morte prematura, ainda jovem.

 

tumulos com retratos grandes
Enquanto nos últimos 25 anos a interpretação dos rabinos brasileiros diz que não se pode colocar fotos nos túmulos, nos EUA e Rússia, uma nova técnica de impressão com ácido permite fotos enormes nas lápides.

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A liberdade para fazer a lápide como se quer pode ser ilustrada nesta foto de um cemitério judaico nos EUA, onde podemos ver vários dos elementos discutidos no artigo em uma tomada só.

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Exemplo de cemitério judaico, na Judeia, da época bíblica
em Beit Shearim, foto de Ronaldo Gomlevsky, 200

© 2015 - José Roitberg
ABEC - Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais