segunda-feira, 22 de março de 2010

Morre-se virtualmente?

Eu acabei de deletar os endereços de email da Etel Wengier de minhas listas.

Nem me recordo desde que foi criado esse universo virtual de quantas pessoas que conheci mas nunca conheci deixaram de existir. Ainda não sequer criada uma palavra para designar este tipo de relação. Antes tínhamos como virtuais a fé e o dinheiro. Inclusive tínhamos fé de que o dinheiro virtual existiria de fato quando fosse necessário.

Mas e as pessoas virtuais? Gente que nunca conhecemos, nunca encontramos. Gente que imaginamos ou visualizamos por fotos mequetreques. É só ver a minha.

Aquele silogismo antigo e bobo deixou de não ter sentido: "Se uma árvore cair lá na floresta e você estiver aqui ela terá caído? Existirá de fato a floresta?" Em nossa era PWC (post web creation) virtualmente há floresta e árvore, ainda mais se estiver no Google Earth, indexada ou com um GPS... Se alguém postar que caiu é por que caiu mesmo.

Cada encontro real com gente virtual sempre surpreende. As pessoas jamais são o imaginado em altura, tamanho, voz, sorrisos, raiva. Nossa imaginação torna ainda mais virtuais as gentes virtuais.

Mesmos sem se conhecer e sem se encontrar nossas personas virtuais interagem como nunca foi possível. Trabalho é realizado. Conhecimento e transmitido. Dúvidas são criadas e esclarecidas. Afetos se criam e desafetos desandam.

Ainda falta criar a filosofia da persona virtual. Penso logo existo? Hoje está mais para penso, logo desisto... Penso, mas se nada fizer, não existo. Se o pensamento, o mais virtual de nosso ser não for propagado em tinta ou bits não existo.

E quando se morre? Virtualmente se deixa de existir? Ou se permanece, pelo menos enquanto áreas de conteúdo gratuito não falirem; pelo menos enquanto a última anuidade do site estiver paga; pelo menos enquanto suas contas não forem desativadas por falta de uso. A morte virtual é concretamente lenta. O corpo já se foi, mas os pensamentos criados de forma virtual por aquela mente exaurida permanecem na nuvem da virtualidade, virtualmente sem atualidade.

Pensamentos ou fragmentos do passado. Lembranças e memórias. Declarações, explosões de ânimo, revoltas, congratulações que foram importantes, muito importantes, mesmo que virtuais, enquanto havia corpo, agora sem corpo, sem vida, a importância deixa de existir. Ou não?

O que Pilar Rahola pensa de Mahmud Abbas ou do Ahmd Yessim é importante apenas enquanto ela está viva? Porque Yassim está morto e ele não é mais importante, mas o que ela pensa dele, sim. Quando ela se for, quem vai se importar quem o que ela ahca ou deixa de achar. Até porque todos nós não somos criadores de teoriais políticias, financeiras, sociais ou educacionais para serem apropriadas posteriormente por outros. Criamos conversa. Criamos uma ou outra fisolofadazinha restrita a meia dúzia de pessoas. Aliás aqui cabe um dos maiores problemas filosóficos do relacionamento Brasil X Estados Unidos? Dozens são mais que dezenas?

Se antes apenas uma estrela deixava para trás seus frames. Se apenas um escritor deixava para trás parte de si, hoje qualquer um deixa não parte, mas muito de si para trás. Se apenas um pintor imotalizava ou um escultor eternizava. A morte física agora é sucedida por uma alma digital dura de roer, dura de encarar e dura de morrer. No caso do escultor a coisa é mais séria. Nós somos os bits que deixamos. Ele é os bits que descartou...

É uma espécie de imortalidade concreta mas virtual. O que definia realmente uma pessoa? O que ela era ou o que ela era? O que se via dela ou o que se entendia dela?

Fico no fundo da caverna esperando Platão e sua lanterna de encontrar homens vir iluminando os bits do que foram estes homens que ele jamais achou e é curioso: ele procurava para frente, ele entrava na caverna. Talvez devesse olhar para trás e sair da caverna para encontrar as personas reais ou virtuais que tanto ansiava ver, ou ter, sei lá.

Por enquanto a amiga que foi permanece em 79 hits no Google. Isso é o que resta disponível a todos do intelecto e da participação. Vou acompanhar a ascenção dessa alma virtual e ver no que dá.

José Roitberg - jornalista

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