Não vou aqui defender a Taurus, apesar de ter sido instrutor de tiro junto com delegado Magaldi (Polícia Civil do RS) em vários cursos dados pela empresa no RJ. Também fui instrutor de tiro no exército além de mais de 15 anos no Tiro Prático, sendo fundador da FTPRJ.
Eu não assisto ao Fantástico. Ontem por acaso assisti ao final e à matéria sobre a Taurus 24/7 .40 S&W de uso exclusivo policial no Brasil. E há pontos MISERÁVEIS e BURROS ao longo da matéria e eu não sossego enquanto não falar sobre eles. Conhecendo a má intenção dos editores das grandes mídias nacionais, eu pouco duvido de que os pontos que citarei foram ditos e deixados muito claros pelos especialistas ouvidos pela produção MAS CORTADOS INTENCIONALMENTE NA EDIÇÃO.
Armas falham - Este é o primeiro ponto. Qualquer arma de fogo está sujeita à falhas. O mais comum é a introdução de desgastes e problemas estruturais pelo uso das armas e pela falta de lubrificação. Em minha vida no Tiro Prático eu pude ver tudo quanto arma, das melhores do mundo, com peças especiais de competição, às piores do mundo, quebrarem, explodirem, soltarem pedaços, darem rajadas ou não dispararem. Mas confesso que nunca vi uma arma disparar sozinha. Acontece que os vídeos e as provas periciais mostram, não que a arma dispare sozinha, mas dispara quando sujeita a um impacto forte ou a um mero sacudir. Entre armas que já explodiram na minha mão estão as pistola Browing Hi-Power 9 mm (considerada um ícone entre as niners), mas todas com mais de 60.000 disparos registrados, Colt .45, e um revolver Rossi nacional de aço inox, de 5 tiros .38 SPL. Neste caso, ao pressionar o gatilho houve o disparo da bala da vez, a rachadura do tambor e o consequente disparo simultâneo de uma segunda bala no tambor, que o destruiu em 3 partes. Consultada a Rossi, isso foi no final dos anos 1980, a pergunta que me foi feita era: "Mas é uma arma nova ou o sr. atirou muito com ela?" Eu respondi que atirei pouco, apenas uns mil disparos. E o engenheiro gritou do outro lado, para todo o Rio Grande do Sul ouvir, dizendo que eu era maluco, e que a arma não foi feita para atirar tanto. Mas no manual, não tem dados de quando a arma "expira". Este é um exemplo de falha catastrófica por uso e da indústria produzindo armas para não serem utilizadas com frequência.
Bloqueio do percussor desgastado - aparentemente todos os laudos sobre a Taurus 24/7 apontam para esta pequena peça de aço que fica de fato sob pressão constante de outra peça até o gatilho ser acionado. Aço quebra. Aço desgasta. As durezas das duas peças em contato constante podem estar calculadas erradas e o forçamento da peça maior pode estar fraturando e desgastando a peça menor que irá falhar apenas uma vez, provocando a liberação do percussor até mesmo sem qualquer ação sobre a arma. Isto pode acontecer e caracterizaria um erro de projeto, o qual a Taurus se recusa a assumir, apenas de todas as evidências.
Mesmo com o bloqueio do percussor quebrado a arma não deveria disparar - Não estou maluco! Toda a matéria de ontem do Fantástico é que está. Não é concebível nem na doutrina policial nem na militar que, principalmente os policiais estejam portando uma pistola QUE NÃO É DE DUPLA AÇÃO COM CÃO EXTERNO, QUE NÃO TEM TRAVA DE CÃO EXTERNA, alimentada, engatilhada! E isso não se falou. Não há disparo acidental se a arma não estiver com bala na câmara (ou na agulha, como algumas pessoas conhecem). Nas pistolas de dupla ação ou ação segura (como a Glock e outras) pode-se andar com bala na câmara e não haverá disparo pois o percussor esta na sua posição avante e não tencionado por uma mola aguardando liberação.
Na Glock, o primeiro disparo é sempre em dupla-ação. Ao ser liberado o gatilho durante os disparos o bloco do percussor volta à posição de repouso à frente, automaticamente. Isto é o resumo da safe-action e por isso a Glock não possui teclas externas de travas.
Na 24/7 não há trava manual para o bloco do percussor. Ele pode apenas estar armado, ou desarmado. Ao se liberar o gatilho após os disparos o bloco continua armado e a tecla lateral do desengatilhador TEM QUE SER USADA.
A conclusão óbvia, pelo menos minha é que a trava do percussor está sendo estressada pela pressão constante, 24 por dia, do bloco do percussor contra ela, quando tal peça deve ter sido projetada apenas para reter o bloco do percussor durante os disparos
A PISTOLA TEM 4 SISTEMAS DE TRAVAS
Segundo a descrição oficial da arma Taurus 24/7 ela possui 4 sistemas de travas:
Trava do percussor - interna e a que está sendo atribuída como a peça que esta falhando. Ela abaixa quando o gatilho é pressionado permitindo que o percussor vá a frente e atinja a espoleta realizando o disparo. A quebra desta trava interna também é a responsável pelo relato de rajadas que esta pistola dará. Uma pergunta óbvia: então por que não há rajadas nos disparos acidentais? A resposta é simples: uma pistola que dispare sem estar empunhada terá a força do recuo dissipada por seu próprio peso e movimento e o ferrolho não irá recuar não havendo ejeção e alimentação no novo projétil. Com a arma empunhada, haverá rajada. Este é um ponto que pode ser usado pela defesa das Vítimas da Taurus para comprovar que a arma não estava sendo empunhada no momento do disparo acidental. Em outros casos onde vemos policiais cometerem assassinatos com tiro direto contra uma pessoa alegando que foi defeito da arma, esta mesma condição pode comprovar que trata-se apenas de estratégia da defesa.
Trava do gatilho - diferente da Glock que possui um tecla física que é acionada em conjunto com o gatilho, nesta pistola o primeiro estágio o gatilho desarma a trava, ou seja, isso não faz sequer sentido e não deveria existir. A trava do gatilho server o gatilho não se movimentar no caso da arma enroscar em alguma coisa. Sempre falavam os engenheiros: imagine um galho entrando no guarda-mato e apertando o gatilho. E eu sempre respondia, que na cidade onde moro, as árvores são vivas mas não muito atuantes e os galhos não costumam entrar no meu coldre e no guarda-mato, mas que se eu fosse para a floresta encantada eu levava um machado e não um pistola...
Indicador do cartucho na câmara - como qualquer pistola moderna permite ver ou sentir com o tato se há munição na câmara pronta para o disparo.
Trava manual externa e desarmador do percussor ambidestros - que prova, para quem não quiser acreditar, que esta pistola nem é dupla ação nem safe-action. Ela apenas possui um bloco interno do conjunto do percussor retido pela trava assassina do percussor. Quando o usuário alimenta a arma colocando um cartucho na câmara, o percussor FICA ARMADO ATRÁS, tanto que existe um sistema mecânico para o desarmar e portar a arma alimentada e destravada EM SEGURANÇA, o que parece não ter acontecido em nenhum dos casos de disparos acidentais totalmente involuntários.
Esta alavanca tem 3 posições e deriva da concorrência norte-americana para o serviço especial OSS que foi posteriormente cancelada. Como na foto a arma esta totalmente destravada. Para cima o bloco do percussor está mecanicamente impedido de ir a frente por algo além da trava do percussor, e para baixo, o bloco do percussor é desarmado de forma segura. TEORICAMENTE é um sistema que deveria ser perfeito e utilizado de forma semelhante por praticamente todas as pistolas de dupla-ação desde que entraram no mercado, inclusive as da Taurus.
Com a trava do percussor quebrada ao destravar um Taurus 24/7 usando a tecla da trava externa, ela irá disparar.
QUEDAS NÃO PODEM DISPARAR UMA ARMA
Armas e munição caem - qualquer arma cai. Faz parte do projeto de uma arma de fogo impedir o disparo em caso de quedas. Está evidente que a Taurus 24/7 não satisfaz este requisito básico.
Não se trata de uma pistola nova. Já está em produção há 14 anos. Os primeiros modelos não tinham o desarmador do percussor e a pistola deveria ser portada com a câmara vazia. Nestes modelos, para tornar a arma segura após disparos era preciso retirar o carregador, remover o bala que estava na câmara usando o ferrolho e pressionar o gatilho para o bloco do percussor voltar à frente. Algo bizarro, inseguro, não só em minha opinião, como no universo das armas de porte. Pelas reportagens não é possível saber se algumas das armas envolvidas nos disparos acidentais são destas séries iniciais.
CONSIDERAÇÃO FINAL
Óbvio que me solidarizo com todas as vítimas de disparos acidentais (menos com aquelas que manuseiam errado o equipamento e acionam indevidamente o gatilho). Mas as questões a serem levantadas, também são muito simples e muito básicas.
1) O treinamento de policiais no Brasil está determinando andar com bala na câmara ou não?
2) Se não estiver, por que os policiais estão portando suas pistolas com bala na câmara?
3) Por que os policiais que estão portanto suas pistolas com bala na câmara deixam de usar a tecla do desengatilhador para portar as armas de forma segura, como prevê o manual e o projeto da arma? Será que não lhes é ensinado isso? Eu, pessoalmente duvido, pois no exército, uma das primeiras coisas que os soldados perguntavam quando recebiam o fuzil, é para que servem as alavanquinhas. É improvável que um policial não receba a instrução sobre as alavancas da arma: desengatilhador, liberador do ferrolho, liberador do carregador e alavanca de desmontagem. Isso ocorre nos primeiros 15 minutos da primeira aula.
4) Por que não foi emitido um memorando para todos os policiais que estão alocados com pistolas com desengatilhador para utilizarem este recurso sempre?
CURIOSIDADES
Em termos de instrução de tiro, havia um ditado em desuso dizendo que "O diabo matou a sogra com o cano da bota", ou seja, para onde o cano estiver apontado algo pode acontecer.
E também já soube de casos de disparos de munição fora da arma. Dois deles, dois quais me lembro, foram contados por instrutores de tiro da ACADEPOL (Academia de Polícia Civil do RJ) num deles, ao puxar algo de cima de um armário, havia uma caixa de munição 9 mm da CBC sobre o alto do armário e o instrutor não viu. A caixa caiu no chão e uma munição disparou. No segundo caso, houve uma queda de um carregador de metralhadora CBC também de um armário e houve o disparo de duas munições no meio do carregador. Qualquer um sabe que isso é impossível, mas aconteceu.
|
Howtizer (obuseiro) M1 de 155 mm |
Ainda na escola de oficiais, criei um bom amigo, que pela idade já deve ter falecido. Era o sargento Bonfim, um negão forte, já lá pelos seus 4O anos de idade, quando eu tinha 19. O Bonfim era um militar diferenciado. Daqueles que ensinam coisas que não estão no currículo. Macetes, outras técnicas etc. Recordo do sargento artilheiro Bonfim aqui neste artigo porque ele foi vítima de um célebre acidente de tiro, ocorrido, se não me falha a memória, na Academia das Agulhas Negras.
Ele era o sargento da guarnição de um obuseiro M1 de 155 mm, durante o exercício de tiro da bateria inteira. É uma peça de artilharia enorme e na foto você pode ver a espessura do cano. É uma arma efetiva, projetada durante a Segunda Guerra Mundial, e que entrou em serviço em 1942, continuando ativa hoje em 20 países. Sua munição é enorme. Lança um projétil explosivo de 43 kg a quase 15 km de distância.
No momento de um disparo com a guarnição do sargento Bonfim, o projétil explodiu dentro cano destroçando a arma. A guarnição do M1 é de 11 homens. Alguns morreram. O Bonfim, não morreu devido a capacete de aço que recebeu o impacto de um pedaço do canhão. Lembro que ele gostava de mostrar o lado de seu crânio amassado… Este é um exemplo de que merdas acontecem com as melhores armas.
E a maior curiosidade de todas: o mesmo modelo Taurus 24/7 é vendido nos EUA e não parece haver registros de disparos involuntários por lá. Mas a Taurus tem fábrica lá e não podemos saber neste momento se as pistolas vendidas nos EUA são as mesmas fabricadas no Brasil ou não.