Estou dando minha cara a tapa para um monte de gente, mas após dois dias de convívio na ONU aqui no Rio de Janeiro com jornalistas e políticos israelenses, palestinos, turcos russos brasileiros antissemitas abertos, árabes brasileiros mais moderados que O Globo, embaixadores etc, passei a ver as coisas de uma outra forma e convido você a fazer uma reflexão não emocional.
Relações internacionais e diplomacia são jogos de cachorro grande. Não há respostas verdadeiras para as perguntas. Não há certezas. Não há nada simples. Não há nada preto e branco. As coisas na maior parte das vezes não são o que parecem, ou pior, são ditas mas não são publicadas, como ocorreu com a cobertura extremamente parcial e ignorante da grande mídia à este evento.
Tudo que os participantes falaram contra Israel (judeus e não judeus) foi publicado basicamente. Tudo que palestinos falaram contra palestinos e contra o Hamas, não foi publicado. Os comentários do ministro Celso Amorim foram pinçados e tirados do contexto. Ele falou por 34 minutos e as matérias apontam para quatro ou cinco linhas de coluna de jornal. Lamentável.
Nosso ministro das relações exteriores foi abertamente claro sobre a posição brasileira em relação ao Oriente Médio. Claro e público, mas não publicado. A frase que vimos hoje nos jornais foi mais ou menos: o muro construído nas áreas palestinas é insuportável... mas ele continuou e isso não foi impresso, "essa foi minha primeira impressão. Depois de alguns dias você se acostuma,,,"
Tudo que foi dito nestes dois dias sobre Ahmadinejad vindo ao Brasil ou lá em Teerã foi varrido do papel jornal, como se o que aconteceu não tivesse acontecido: negação da verdade, revisionismo do dia anterior. O representante da Turquia no evento foi enfático na ameaça nuclear do Irã à Turquia, à Jordânia, à Arábia Saudita, ao Egito e é claro à Israel. Disse que pela primeira vez desde sua independência um dirigente saudita foi à Turquia. O rei Faiçal foi duas vezes lá este ano e não foi para comprar tapetes. Lembre que Turquia e Israel possuem um acordo de cooperação militar válido e ativo.
Ahmadinejad deve ser recebido bem no Brasil porque somos brasileiros e tratamos bem as pessoas. Ahmadinejad não é inimigo do Brasil e é um falastrão no poder no Irã. Ele, pessoalmente, nada pode fazer para ditar a política de seu país. O Irã e seus projetos de conquista do mundo, de transformação de cada um de nós em muçulmanos é um sonho retórico, uma utopia islâmica irrealizavél de Estado e não de uma pessoa. Do Conselho de Aiatolás, não de um em especial.
Além disso para o estado Xiita dominar o mundo precisa eliminar os Sunitas, que são a maioria e o poder nos outros 53 países muçulmamos e encarar de frente a Al Qaeda, sua inimiga mortal. Se você fosse o líder do Irã e tivesse que escolher onde jogar a bomba, jogava em Israel matando judeus, cristãos, católicos e palestinos (isso não é problema pois são sunitas) ou jogava na cabeça da monarquia sunita que controla Meca e a Kaaba não permitindo a peregrinação obrigatória dos xiitas iranianos? O que é mais importante para um estado muçulmano conquistar? Jerusalém ou Meca? Saddam tentou. E também tentou varrer o Xiitas iranianos do mapa, numa guerra de 10 anos com 1 milhão de mortos. Quem tem o poder de resistir e retaliar: Jerusalém ou Meca?
Alguém em sã consciência sabendo da quantidade de mísseis norte-coreanos que foram levados de navio para o Iraque e para o Irã acha que os xiitas precisam perder tempo enriquecendo urânio para fazer sua própria bomba? Um país que fornece os foguetes tem as bombas. Se vende uns, vende outros.
Há uma avaliação de dois pontos sobre o terrorismo internacional: (1) se obtiverem arma química, radiológica, bacteriológica ou nuclear, vão usar e, (2) se usarem o mundo, todas as leis, sistemas de transporte, todas as relações internacionais e comerciais mudam e ninguém sabe para que lado - um ataque e a civilização atual muda para a nova realidade - talvez por isso ainda não tenham feito pois o grau de imprevisibilidade é total. Uma bomba hoje não destrói uma cidade: ela redefine a civilização, por menor que ela seja.
Por traz de Ahmadinejad há um sistema. Há diversos escalões políticos e operacionais para baixo e escalões religiosos para cima. Ahmadinejad não controla a Guarda Revolucionária e nem o Hezbollah iraniano ou libanês. Ele está no meio disso e é o porta-voz do que lhe dizem para falar. Testa de ferro para os conspiradores.
Ainda fico impresisonado com o alinhamento automático ocidental a favor dos rivais eleitorais de Ahamadinejad, ainda mais quando a menina de 16 anos morreu baleada numa das manifestações. Todas as outras mortes são irrelevantes e se opta por tornar algo emblemático porque alguém gravou. As outras mortes foram mais confortáveis para as vítimas ou seus parentes? Mas aquela oposição a ele é exatamente do partido que governava, planejou e executou os ataques contra a Embaixada de Israel e contra a Amia! Vou eu ter um segundo de consideração com este grupo político porque ele é contra o grupo de Ahmadinejad? Eles que se danem! Eles JÁ FIZERAM! Eles JÁ NOS MATARAM! Eles mandaram seus filhos e netos marchar sobre campos minados iraquianos para poupar seus soldados adultos. E fizeram isso tudo quietos! O Ahamdinejad fala para caramba. Suas primeiras declarações de negação do Holocausto fizeram o barril do petróleo disparar; A insistência, concursos, convenções mantiveram a alta. De uns meses para cá o que ele fala não afeta mais o preço do petróleo.
É complicado para os brasileiros entenderem que confirmadas as imensas reservas do pré-sal, o Brasil passa a ter a maior reserva mundial de petróleo (tirando o Alasca) num momento em que os países produtores tradicionais estão vindo rapidamente ladeira abaixo no gráfico de suas reservas. Nos anos 1970 tinha-se a certeza de que a essa altura já não haveria mais petróleo. Não há nada mais na região do Golfo Pérsico além do que existe neste momento. Aqui estamos começando e as empresas árabes, iranianas, americanas, inglesas, francesas, holandesas, japonesas, venezuelana e chinesas vão explorar petróleo aqui. Não imaginem por um minuto que isso não vai acontecer. O Brasil não dá conta sozinho nem do investimento nem da escala de produção. Vai ser um petróleo caro numa era de escasses. A balança do poder mundial vai mudar rápido, isso sem levar em conta o etanol brasileiro.
Ahmadinejad é fruto de um país, de uma ideologia. Se você quer reclamar, se você não concordar com o que o Irã é, proteste contra o Irã. Não proteste contra o porta-voz do Irã. Aquilo lá não é uma ditadura como alguns de seus aliados. Possui todas as instituições para o bem e para o mal. Para a nossa realidade e para a realidade deles. Não compre esse discurso de que Ahmadinejad é Hitler porque nega o Holocausto. Hitler foi Hitler por que realizou o Holocausto. Todos os líderes nacionalistas e panarabistas falaram a mesma coisa: Gamal Adbel Nasser, Saddam Hussein e até mesmo Anuar Sadat que atacou no Kippur, assinou a paz alguns anos depois e foi assassinado pelo embrião da Al Qaeda, um grupo egípcio radical islâmico onde estava Mohamed Al Zahawiri o atual número 1 ou 2 dessa excrescência taliban. A banalização de quem é um hitler de uns anos para cá já tirou até o significado do nome: o outro é um hitler, eu não.
Em português "radicais" já foram apelidados de xiitas, e depois de talibans. Hoje hitlers são lançados à direita, à esquerda e ao centro, dependendo de quem os joga.
O ministro Celso Amorim deixou bem claro que um dos pontos da visita recente de Lieberman o amado por poucos e odiado por muitos, ministro das relações exteriores israelense, foi o de pedir ao Brasil como um interlocutor aceito por Israel, pelo Irã, Síria, palestinos, Líbia e outros árabes, que mostre ao Irã que o caminho correto é o uso pacífico da energia nuclear, até por que eles precisam se preparar para o fim do petróleo deles enquanto podem. Não sei se você sabe mas a eletricidade no Irã é quase toda fornecida em usinas que queimam petróleo e o país nunca teve a visão para construir sequer uma refinaria: precisa importar todo seu combustível e milhares de derivados de petróleo, até para fabricar plásticos e asfalto. Todo o gás que tinha foi queimado e está queimando nos respiros dos poços. A matriz energética por lá é quase inexistente.
A idéia geral não é se preocupar com quem o Irã enforca ou deixa de enforcar segundo suas leis, mas impedir que Israel e outros países sejam atacados por uma arma nuclear, ou pior: que tenham que atacar o Irã e nunca saberemos se havia ou não arma nuclear envolvida. Conhecemos essa história com o Iraque. O necessário é impedir uma guerra de consequências imprevisíveis e não protestar contra violação de direitos humanos no Irã. Há 1 bilhão de muçulmanos para fazer isso, mas no fim das contas não fazem por que vítimas e algozes são xiitas iranianos enquanto os outros são em quase sua totalidade sunitas, logo, os xiitas que se danem, estando no poder ou na ponta da corda...
A interlocução do Brasil pode surtir efeito para levar o Irã ao uso pacífico da energia nuclear. Precisamos apoiar isso. Precisamos enxergar a geopolítica e não notícias picadas que nos levam a cometer graves erros de julgamento.
Na época das outras manifestações contra a vinda de Ahmadinejad ao Brasil eu não participei. Agora resolvi ser mais enfático pois já estou vendo circular aquelas bobagens de "vote na enquete..." A vitória cantada em verso e prosa foi qual mesmo? Alguém acha que o cancelamento da viagem teve algo a ver com as manifestações? Israel se pauta por um punhado de radicais brasileiros nas ruas gritando palavras de ordem? O Irã vai se pautar por um punhado de cidadãos brasileiros reclamando de sua política? Além disso, enquanto se davam tapinhas nas costas, toda a missão comercial iraniana já estava no Brasil - chegou antes. Todos os acordos foram assinados e a visita transcorreu sem nenhum incidente, protesto ou exposição na mídia. Mas, ELE não veio...
Amigo e amiga: a questão é a bomba não o burro.
José Roitberg - jornalista
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