sábado, 7 de dezembro de 2013

1914-1918 - A Guerra Dos Judeus

Centrais (Império Austro-Húngaro, Alemanha, Bulgária, Império Turco-Otomano)? E se mostrarmos que 1.500.000 (um milhão e meio) de judeus estiveram em armas naquele período, receberam treinamento, participaram de combates e ações militares? Onde estavam os europeus deste contingente, 22 anos depois, quando a força das armas e o treinamento militar poderiam ter feito a diferença ao se depararem com a sanha nazista?


A grande decepção reside no fato dos que querem estudar o tema ou conhece-lo mais, nada encontrarem sobre o assunto nos livros didáticos ou históricos. Não há livros escritos pelos ex-combatentes de nenhum país. Não há quase nada na internet. Não há livros escritos pelos comandantes judeus na Primeira Guerra Mundial. Os que combateram e imigraram depois, deixaram de lado sua formação e o combate. A Primeira Guerra Mundial foi tão terrível que praticamente todos decidiram não contar nada. Os poucos relatos fiéis existentes são os das citações oficias das medalhas, em todos os países, pois resumem a ação heroica que levou à sua concessão. Na imprensa judaica carioca não há uma linha sequer sobre os judeus que combateram na Primeira Guerra Mundial e sobre os imigrantes ex-combatentes posteriores. Na imprensa geral há material sobre os judeus e sobre os brasileiros envolvidos: uma outra história mais complexa.



 AJEX - Association of Jewish ex-Service Men and Women Inglaterra.
Foto de Ronaldo Gomlevsky

Os ex-combatentes judeus na América Latina, não formaram associações. Na Inglaterra, EUA, Canadá e Alemanha, formaram, mantém museus (menos na Alemanha) e tem sua história preservada. É exatamente de um jornalista judeu norte-americano, chamado Bernard Postal, quem vem os dados a seguir. Este homem assinou uma matéria sobre o assunto, publicada no Canadian Jewish Chronicle,  já impresso quando aconteceu a "Noite dos Vidros Quebrados" em 9 de novembro de 1938. Para o dia seguinte, estavam marcadas comemorações em toda a Europa, pela derrota alemã de 20 anos antes. A "Noite dos Vidros Quebrados" também foi uma arma da propaganda nazista para mostrar ao mundo a força do regime e varrer as comemorações tão antecipadas e programadas em todas as capitais aliadas. Funcionou de fato. Postal levou alguns anos recolhendo e classificando dados oficiais para podermos, hoje, reescrever a história. Ao longo de sua vida, Postal teve vários cargos importantes, como o de diretor de relações públicas da B'nai Brith americana ao longo de toda a Segunda Guerra Mundial e outros.


Em 1938 Postal derrubou uma noção arraigada de que os judeus do século 19 e início do 20, não pegavam em armas e pegar em armas seria um reflexo da necessidade da luta sionista pela existência e manutenção de judeus na Palestina e depois, do Estado de Israel. Em alguns países das Potências Centrais os judeus não podiam chegar ao oficialato. Na Rússia ainda estava em vigor o serviço militar obrigatório de seis anos para os primogênitos judeus. A saber, antes, era de 25 anos - uma sentença de morte ao completar 18 anos de idade. Por outro lado havia clubes de tiro e esgrima judaicos a ponto das medalhistas de ouro e prata da esgrima na Olimpíada de 1936 em Berlim, terem sido duas judias: uma húngara e outra alemã.


 AJEX - Coronel Cohen. Foto de Ronaldo Gomlevsky

A Primeira Guerra Mundial mobilizou 65 milhões de homens de 16 países. Um milhão e meio eram judeus! Praticamente 10,7% do total da população judaica do mundo. Se reduzirmos isso somente aos homens, teremos 20% da população masculina. Se adotarmos uma pirâmide populacional normal e genérica onde uns 35% da população masculina estava em idade para serviço militar, então o número fica assustador: em torno 57% dos homens judeus em idade militar participaram da Primeira Guerra Mundial. Então, como é que fica na história e na memória, que os judeus não estavam lá? De cada grupo de 10 judeus entre 18 e 40 anos de idade, mais de 5 estavam em farda e armas!

“Culto Judaico no Campo - Rabino de Campo Dr Sondeling de Hamburgo - Autorizado pelo Comando de Sua Majestade o Kaiser Alemão - em 29/30 de setembro de 1914” É um cartão postal alemão que mostra oficiais e soldados judeus alemães na cerimônia de Rosh Hashaná de 1914


Logo após os primeiros combates em 1914, os imigrantes não naturalizados no Brasil, que eram reservistas, foram rapidamente para seus países na Europa. Entre 1915 e 1918, várias levas de reservistas naturalizados e de voluntários brasileiros descendentes de cada país envolvido foram combater na Europa, inclusive judeus franceses e provavelmente judeus alemães. Até o fechamento desta edição a embaixada da Alemanha no Brasil ainda não havia conseguido entregar dados corretos sobre os brasileiros que combateram pela Alemanha. O arquivo da associação dos ex-combatentes franceses, foi destruído no mesmo desabamento de edifício que destruiu a nossa biblioteca Hatchia em 1957, mas o mausoléu dos cariocas mortos em farda francesa está lá no cemitério São João Batista, a e lista de nomes judeus é significativa. Não havia imigrantes norte-americanos no Brasil, exceto um ou outro comerciante e os ingleses já estavam há mais de 100 anos Brasil e eram apenas brasileiros. O governo do Catete nunca interferiu na ida destes reservistas, naturalizados ou não, para o combate na Europa.


No mausoléu da AFAC - Associação Francesa dos Ex-Combatentes, no cemitério São João Batista no RJ temos a lista de franceses que foram do Brasil combater na Europa e de brasileiros da Legião Estrangeira que tombaram na Primeira Guerra Mundial. Todos receberam a Legião de Honra postumamente. Os judeus com nomes óbvios listados são: Artur BLOCH, Pierre BLOCH, Marcel BLOCH, Jaques FRANKFORT, Isaac MARX, Emile SCHUSTER, René SCHUSTER, Manuel LIPPMANN, André ROSENTHAL, Leon CIESIEELSKI, e Richard SASSO.


Na Segunda Guerra Mundial temos apenas sete franceses neste mausoléu, e dois judeus Georges SCHTINBERG e Michel WIEDMANN.




Os jornais de época sempre faziam matérias com os que voltavam da frente de batalha de licença, e depois retornavam à carnificina que empolgava a maioria do mundo. Além dos oficiais da Marinha e do Exército brasileiro que participaram como adidos aos diversos comandos na Europa, tivemos diversos oficiais que comandaram tropas, e combateram nas trincheiras, e até mesmo nos céus. Ainda contaremos melhor a história de vários destes homens que representavam nossas forças armadas e chegaram a postos de comando. Vários dos voluntários brasileiros chegaram ao oficialato, como um rapaz italiano do Rio de Janeiro, que ganhou suas divisas de tenente nas batalhas e depois foi transferido para a força aérea italiana, combatendo os aviões austríacos.


15-agosto-1914 - Reservistas franceses no Cais Pharoux (ao lado da Estação das Barcas na Praça XV, embarcando para a França no navio La Plata. Os jornais não publicaram nomes, mas é possível que alguns dos judeus e alguns dos mortos em combate estejam nesta foto publicada pela Revista da Semana (do Jornal do Brasil).


Dos 65 milhões de homens, as Potências Aliadas mobilizaram 42 milhões e as Potências Centrais mobilizaram 23 milhões. Vestiam uniformes representando uma população de 1 bilhão de pessoas. A população judaica no início da guerra era estimada em 14 milhões. E até o final dela, 13.500.000 viviam nos países envolvidos. Perto da metade destes judeus ficou presa na Europa Oriental onde os exércitos ficaram engajados durante todo o conflito. Naquele momento, havia 2 milhões de judeus na Polônia russa, 1 milhão de judeus na Galícia austríaca e nada menos que 3.500.000 de judeus nas quinze províncias russas que compunham o Pale of Jewish Settlement, ou Zona de Assentamento Judaico, criada pelo Império Russo, como zona-tampão entre suas terras principais e o Império Austro-Húngaro. Onde os combates aconteceram na frente oriental.

Mlawa, Polônia, oficiais e soldados judeus do exército russo pouco antes da WW1


Considera-se que o sofrimento destes 6.500.000 milhões de judeus não foi diferente do sofrimento da população em geral nas áreas ocupadas pelas Potências Centrais na Polônia, Bélgica e na França. As populações civis ficaram a mercê de furtos, roubos, agressões, deportações, assassinatos sem motivo e estupro pelos invasores e algumas vezes por exércitos aliados de etnias diferentes.



Os judeus russos e poloneses sofreram nas mãos das tropas alemães e austríacas. Os judeus da Galícia austríaca sofreram nas botas do soldados russos. Mas há um agravante, um sinal que não foi compreendido e é ignorado até hoje. Durante a Guerra houve pogroms (ataques contra vilas, cidades e bairros judeus organizados pela população civil ou por tropas, com ou sem apoio de soldados e policiais locais) especificamente dirigidos contra os judeus na Europa Oriental - um prelúdio da matança que se iniciaria em 1941. Estima-se que 50.000 civis judeus foram massacrados em centenas de ações violentas e nem é possível estimar o número de feridos e de estupros. Outros 100.000 judeus da Europa Central morreram em consequência da falta de alimentos e de doenças durante a guerra. Os números não são nem exatos nem definitivos: são os números oficiais divulgados em 1938 e para os quais ninguém liga. Nunca foram divulgados ou pesquisados os números de civis judeus mortos na Europa Ocidental durante a Guerra. Esse é um cenário que compõe a necessidade dos judeus saírem da Europa e Rússia após a guerra criando uma fortíssima onda de imigração nas Américas. Também não há contabilização dos mortos na sequência guerra, na Gripe Espanhola.

Entre os 42 milhões de soldados Aliados, 1.055.600 foram judeus, ou seja 2,5% do total entre uma população onde os judeus somavam apenas 1% da totalidade. As Potências Centrais mobilizaram 450.500 judeus, 350.000 a mais que aquele conhecido "número 100" da Alemanha. Entre os judeus mobilizados por países aliados, temos: Rússia 650 mil (inclui Polônia e todos os países do Pale), Estados Unidos 250 mil, França 55 mil, Império Britânico 50 mil, Romênia 38 mil, Itália 6 mil, Bélgica mil, Sérvia e Grécia 1.200 cada. No Japão e Montenegro não havia judeus e os poucos judeus de Portugal não foram recrutados, apesar de alguns voluntários terem servido como oficiais.

No Brasil não encontramos registro de militares judeus brasileiros participando da WW1.

Nas Potências Centrais os judeus convocados se dividiram em: Áustria-Hungria 320 mil, Alemanha 100.000, Turquia 18.000 e Bulgária 12.500. Em termos percentuais, as potências centrais, que temos como "inimigas", recrutaram judeus e não judeus na mesma proporção da sociedade. Já os aliados, os "amigos" recrutaram judeus com uma proporção entre 30% e 90% maior que a sociedade em geral, mas as maiores porcentagens são as dos países que recrutaram menos judeus. Nos EUA, o índice de judeus é ligeiramente maior, pois houve uma enorme quantidade de voluntários.

Pessach de 1919 em Jerusalém. Estes são soldados judeus do exército inglês que lutaram no Oriente Médio em 1917-1918. O fotógrafo escreveu a assinatura dele em hebraico à direita e no barrete turco do soldado em primeiro plano "Pessach Israelitas", também em hebraico.

Na morte, as coisas foram mais igualitárias e o número de judeus mortos é impressionante: 11% entre os Aliados e 12% entre as Potências centrais. Só entre os russos foram 100 mil militares judeus mortos (número que inclui os combates da revolução comunista de 1917), outros 9.500 entre os franceses, 2.400 britânicos, 500 italianos, 3.400 americanos, 900 romenos, 250 sérvios, 125 belgas e 300 gregos. Um total de 117.375 soldados judeus mortos. Nas Potências Centrais, foram 12 mil alemães, 40 mil austro-húngaros, mil turcos e mil búlgaros, um total de 54.00 judeus mortos. Somando os civis contabilizados, chegamos a cerca de 322.000 judeus mortos na Primeira Guerra Mundial, com uma estimativa baixa. Não há dados sobre o número de feridos nem os que morreram depois em consequência de ferimentos.

9 de AV 5678 - 28/jul/1918 - Soldados ingleses judeus no recém libertado Kotel (Muro das Lamentações) em Jerusalém. Os poucos judeus sentados no chão indicam que a situação estava longe de ser normal. A Batalha de Jerusalém ocorreu entre 17 de novembro e 30 de dezembro de 1917. Tropas inglesas, australianas, indianas e neozelandesas derrotaram tropas turcas e alemãs. No total, a luta pela Palestina vitimou 18.000 Aliados de 25.000 homens das Potências Centrais. Praticamente nenhum ocidental compreende que os muçulmanos venceram as Cruzadas e que o Catolicismo Vaticano perdeu. Jerusalém ficou sob domínio muçulmano ininterrupto de 1500 a dezembro de 1917, quando católicos anglicanos britânicos comandados pelo General Allemby, expulsaram os muçulmanos sunitas de lá.

Cemitério Militar da Primeira Guerra Mundial no Monte Scopus em Jerusalém


ESTADOS UNIDOS


Para finalizar, alguns dados americanos impressionantes: 30% dos judeus se alistaram para os Fuzileiros Navais (Marines), quando se anunciou que seria a tropa de primeiro combate e 3,4% dos fuzileiros eram judeus, dos quais 100 eram oficiais, inclusive seu comandante, o brigadeiro-general H. Lauchheimer. 7% da Força Aérea era composta por judeus. No total os americanos tiveram 6 generais judeus, mais de 100 coronéis, mais de 500 majores, 1.500 capitães e 6.000 tenentes. Na marinha foram mais 900 oficiais judeus. Não menos de 1.100 medalhas de valor foram entregues a judeus americanos: 723 pelos americanos, 287 por franceses, 33 pela Inglaterra além de outras 46. A maior comenda americana, a Medalha de Honra do Congresso foi dada a 6 judeus e a Cruz de Serviços Distintos, a 150. A Medalha Militar Francesa (sua maior honraria) foi concedida a 4 judeus americanos e Cruz de Guerra, a outros 174.


INGLATERRA


A Inglaterra teve 1.140 oficiais judeus. Nos domínios britânicos (diversas áreas coloniais menores) viviam 17.000 judeus e 2.000 deles foram para a guerra. Na Austrália havia 80.000 judeus e 6.000 foram para a guerra. Da Índia serviram 100 judeus. Os judeus britânicos deixaram no campo de batalha 334 oficiais e 2.091 soldados mortos. Outros 6.800 foram feridos.

Dois ativistas sionistas, cujos nomes são hoje bem conhecidos e identificados com a “direita judaica”, Joseph Trumpeldor e Vladimir (Ze'ev) Jabotinsky, foram decisivos na criação de unidades de combate apenas de judeus nos exércitos britânicos. A primeira foi o Corpo de Mulas Zion (de transporte) em 1915, que serviu na batalha de Galipoli, contra os turcos. Depois, Jabotinsky conseguiu a criação dos batalhões 38th, 39th e 40th do Fuzileiros Reais. Foram coletivamente chamados de Legião Judaica. Na foto, Jabotinsky é o terceiro da direita para a esquerda na fila central com os braço cruzados. Esta é uma foto 16th Pelotão  do Batalhão de Londres, durante treinamento em 1917. Iriam se juntar ao 38th. A bandeira com duas estrelas de Davi e a Union Jack no centro era normal para os batalhões de judeus britânicos.



FRANÇA


Nos exércitos franceses, havia 40.000 judeus da Europa e outros 15.000 das colônias: Argélia, Tunísia e Marrocos. Mas na França, residiam 30.000 judeus russos, romenos e turcos e 12.000 deles foram voluntários na Legião Estrangeira, lutando contras seus próprios países de origem: 2.000 morreram. Estes são alguns dos números oficiais de uma guerra mundial onde judeus combateram em todos os países, mataram-se nacionalisticamente e com orgulho, mas tiveram sua memória varrida da história, dando a impressão de que os judeus nunca estiveram lá.

OS ARGENTINOS DESAPARECIDOS



Mas em 9 de outubro de 1918, chegaram ao Rio, de passagem, 52 voluntários judeus uniformizados do 52o Batalhão de Caçadores do exército argentino. Só que a Argentina nunca declarou guerra à Alemanha e não se sabe o que foi feito destes homens. É provável que tenham ido para a Legião Estrangeira francesa. O jornal "A Epoca" é contundente: "Foi de uma imponência fóra do commum a manifestação de carinho promovida pela colonia israelita aos voluntários seus patrícios vindos de Buenos Aires... A Associação Sionista do Rio de Janeiro preparou uma acolhida digna aos destemidos voluntários que desembarcaram em meio das mais vivas acclamações." Foi uma recepção que surpreendeu a cidade.

Existe o mito da pobreza dos imigrantes, mas não desta leva da primeira década, tanto que a comunidade compareceu no porto com 132 automóveis, próprios e de aluguel (seria sem precedentes até mesmo nos dias de hoje) "muitos com bandeiras dos alliados e outros com as de sociedades israelitas." Levaram os soldados judeus do Cais do Porto para a sinagoga Tiferet Sion, dirigida pelo emblemático David José Perez. No salão da sinagoga foram recebidos por parte da comunidade, cantaram "Hatikva" (letra antiga) em conjunto. Em nome dos judeus árabes do RJ, discursou em árabe o "sírio sr Aron Atia" que cantou com todos o "Hymno Israelita" (não sabemos o que possa ser).

Os jornais nos deixam conhecer os nomes de alguns destes judeus. Falaram pelos voluntários argentinos o soldado Gustavo Adolpho Buhler, o tenente Wladmir Herman e um jornalista judeu chamado D. M. Menchez, engajado como soldado. Também falaram os outros membros da diretoria da Tiferet Zion: Jacob Schneider, Sinnai Faingold, Boris Tcholrnei e Tuli Sensler. 

Após o Brasil sair da neutralidade houve várias campanhas de arrecadação de fundos para a Cruz Vermelha. A Companhia Israelita de teatro de H. Starr promoveu eventos beneficentes. A Sociedade Beneficente e Funerária Israelita (das Polacas) e a União Israelita levantaram fundos entre a comunidade e os enviaram à Cruz Vermelha.


DUAS HISTÓRIAS PESSOAIS

Nos anos 1970-1980 conheci Mordka Fuks. Grande sujeito, já um adorável avozinho judeu no RJ. Quando eu ainda estava no Exército Brasileiro, ele me pegou num canto e veio conversar sobre ele ter sido cabo, na Primeira Guerra Mundial. Foi um dos soldados judeus poloneses. A Polônia é um dos campos de batalha esquecidos da WW1, pois o ocidente se concentra no que o correu na França e na Turquia. Pois bem, o jovem Mordka, já tendo serviço militar estava no primeiro grupo de reservistas recrutados e como era um pouco mais velho que os recrutas, foi promovido a cabo. Nem só de frente de combate vive-se numa guerra. Morka Fuks comandou uma pequena guarnição de polícia militar polonesa encarregada da segurança de uma estação de trem no meio do país. Quatro anos de serviço de guarda.


Ao publicar esta matéria surgiu a interessante história do avô de Marcia Salomão. Ele foi enfermeiro de combate no exército russo. Foi ferido duas vezes, seus familiares mantém as medalhas recebidas pelos ferimentos e também por bravura sob fogo inimigo. Por vezes imaginamos que as potentes balas de fuzil da Primeira Guerra Mundial eram fatais. Mas nosso enfermeiro russo, primeiro tomou um tiro no peito eu lhe atravessou um pulmão. Foi resgatado levado a um hospital de combate onde foi operado e perdeu o pulmão. Depois de se recuperar voltou à linha de frente para continuar socorrendo seus companheiros russos e acabou por levar um segundo tiro, desta vez, no joelho, o que o impediu de voltar ao combate uma terceira vez. Ao imigrar para o Brasil, inventou uma história para amigos e parentes, para sua nova família. Que se saiba, nunca apareceu em público sem camisa, pois o ferimento no peito, nas costas, e a cirurgia em hospital de campanha Devem ter deixado marcas profundas.

Quanto ao joelho, afirmava que era manco por um defeito de nascença. Viveu uma longa, feliz e profícua vida e contou a história ao seu filho, apenas pouco antes de falecer, ocasião em que lhe passou as medalhas. É um exemplo claro de um herói judeu da Primeira Guerra Mundial, que combateu sem armas, arriscando a vida o tempo todo para resgatar seus companheiros atingidos e tendo tanto patriotismo que voltou ao campo de batalha após um ferimento gravíssimo. Mas como podemos cobrar deste cabo enfermeiro que não tenha contato o que viu? Você pode imaginar o que ele viu? Seus companheiros morrendo o tempo todo, seus companheiros aos pedaços, sua luta diária para conseguir manter este ou aquele amigo vivos até chegar ao hospital de campanha. E os horrores do atendimento médico feito sem higiene, em meio à lama, os gritos, os suspiros de morte, o cansaço terrível? Não há de fato como contar e apenas pessoas muito especiais podem sobreviver à batalha e depois aos pesadelos da guerra.

OUTRAS FOTOS DE MILITARES JUDEUS NA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL


 Herman Struck primeiro-tenente alemão, judeu na WW1

 
 1917 - quarto dia de chanucá para um grupo de soldados judeus norte-americanos em algum lugar na França, WW1

1918, antes de Pessach, enorme carregamento de matzá para os militares judeus
da Divisão 77 da Força Expedicionária Americana.


 Cartaz de mobilização civil da principal associação beneficente judaica dos EUA. "Quando nós passamos por tudo isto, precisamos da ajuda e conforto que vocês puderem nos dar". Curiosamente esta campanha estava marcada para ser iniciada no dia em que a guerra acabou, 11 de novembro de 1918.

Num posto de comando de campo do subsolo de trincheira alemã, o oficial ao telefone é o filósofo e teólogo judeu Franz Rosenzweig (1886-1929), um dos mais importantes intelectuais judeus do pós WW1.


 
Ao centro com talit branco e atrás de uma pequena mesa, está um rabino capelão judeu do exército austro-húngaro, celebrando um serviço religioso para prisioneiros russos judeus.


1916, sétimo dia de Chanucá celebrado por um enorme número de judeus, oficiais, sargentos e soldados alemães na Polônia.

Oficiais e soldados judeus alemães numa IGREJA para o Yom Kippur de 1914 na França. Podemos ver vários deles com talit sobre os uniformes e dois deles segurando rolos de Torá pequenos, muito normais como 'portáteis' para uso de tropas em combate, junto a mesa onde está o rabino capelão. Na coluna da igreja vemos um pano típico de ficar na frente de um aron a kodesh, o armário onde ficam os rolos da Torá. Note que a cerimônia não está sendo realizada no púlpito. Acima, à direita, a janela destruída pela artilharia dá o tom de foto de guerra real.

Yom Kippur de 1915 para oficias e soldados judeus alemães numa sinagoga em Bruxelas, na Bélgica. Em destaque o rabino capelão Stellv Baum, de Colônia.

 Hans Loevinson, judeu alemão foi convocado para a WW1 e se tornou médico de combate. De 1920 até a proibição dos judeus no teatro, por Hitler,
foi um dos principais atores judeus alemães.

 Ao centro na segunda fila, baixinho e de barba, está o capelão rabino Arnold Taenzer. Quatro oficias seus companheiros do exército alemão estão sentados dois de cada lado. Um terceiro oficial, está de pé, vestido com um casaco militar de couro. Pode-se notar à direita um jovem soldado segurando um paninho branco que parece esconder algo de pequenas dimensões. De fato o soldado está segurando a matzá utilizada para o Pessach de 1915, celebrado por este grupo de soldados judeus alemães, em campanha na Bielorrúsia, mais exatamente na cidade de Pinsk.

Rudolf Menzel (1889-1972) em seu uniforme de oficial do exército austro-húngaro aos 17 anos de idade. Depois da WW1 estudou medicina na Universidade de Viena, tornou-se médico, sionista e entendeu que as coisas estavam péssimas para os judeus na Europa com a ascensão de Hitler. Em 1935 imigrou para a Palestina do Mandato Britânico com sua esposa. Atuou como médico na Palestina e depois em Israel, até sua morte em Haifa.


Cerimônia religiosa para soldados judeus franceses,
por um capelão rabino francês durante a WW1

Cartaz israelense de 1918, homenageando os soldados
da Brigada Judaica do exército britânico.

Cerimônia religiosa judaica em campo de prisioneiros da Alemanha. Todos na foto, inclusive o rabino são soldados americanos prisioneiros. É notável como lhes foi permitido conservarem seus talitim, que os levam para o combate.

Cinco capelães rabinos norte-americanos cujo nome não consta na foto original. Foto tirada durante treinamento em solo americano. WW1.

 Dois rabinos alemães não militares, conduzem cerimônia religiosa sob os olhares especificamente atentos de prisioneiros judeus russos num campo alemão. WW1.

Entrada do Memorial ANZAC (da Força Expedicionária Britânica), em Jerusalém, que derrotou as tropas turco-otomanas, apoiadas por austríacos e alemães no Oriente Médio e libertou Jerusalém do jugo muçulmano, pela primeira vez, em mais de 400 anos, em novembro de 1917.

No inverno de 1918, a WW1 havia acabado já há algumas semanas antes. Nesta foto curiosa, após uma fortíssima nevasca em Jerusalém, um sargento e um soldado judeus do exército britânico contemplam o Kotel, o Muro das Lamentações.


E esta foto, acaba por ser mais curiosa ainda, pois apenas 3 anos antes, quem estava no mesmo local, orando no Kotel, Muro das Lamentações, colocando seus pedidos ou apenas sentado em contemplação eram oficiais judeus do exército austríaco.

© 2013-2017 José Roitberg - jornalista e pesquisador
Fotos da AJAX são de Ronaldo Gomlevsky
Texto publicado na Revista Menorah 650 de novembro de 2013

5 comentários:

Unknown disse...

Incrível!

Texto maravilhoso e bem ilustrador.

Parabéns!!!

Professor Kranke disse...

Prezado Roitberg, essa narrativa é fantástica. Precisa ter maior divulgação. Vou tentar fazer isso. Shalom Ubrachá.

GRUPO TESHUVÁ disse...

SHALOM

Caro Roitberg, parabéns pelo blog! Gostaria de lhe pedir que incluísse a KAHAL ZUR ISRAEL em sua linha do tempo no blog. Desde já agradeço!

Cordialmente,
Fernando Ventura Lopes

Anônimo disse...

Caro jornalista Roitberg
Pediria que me reconfirmasse ou nao, o numero de 18 milhoes de judeus que existiam antes da Segunda Guerra Mundial, dos quais restaram 12 milhoes apos o massacre do 6 milhoes.
O numero citado no seu vasto e interessante artigo e' diverso do que sabia ate' agora.
Obrigada,
Elizabeth Kaczelnik

Sonia disse...

Incrivel conhecer parte de uma história em que meus antepassados, fizeram parte(só não conheço bem minha história), sei que meu trisavô (casado com uma enfermeira de campo), judeu Polones, que viveu na Argentina durante alguns anos, depois vendeu suas 3 filhas, Rosália, Anita e Sarah, no porto do Rio de Janeiro, na època de seu falecimento (eu soube, não era nascida)a Radio Mayrink Veiga, buscava os herdeiros, minha família porem temia a destemida deportação, assim sendo só conheci esta minuscula parte da minha história. Parabéns.