O Enterro do Sabão
A realidade sepultada por mitos, tinha restado deste episódio da história dos judeus no Rio de Janeiro. Evento relacionado ao Holocausto, ainda em 1947, ausente dos livros sobre história comunitária. Haveria motivo? A história era emocionante. Como desapareceu?Pequeno caixão coberto por talitim conduzido pelas ruas da Praça Onze. De barba, o rabino Tzikinowsky. |
O mito propagado nas últimas décadas sobre o Memorial do Holocausto do Cemitério de Vila Rosali Velho, afirmava "ter sido enterrada" lá uma caixa com sabão feito com gordura de judeus pelos nazistas. Cada vez mais pessoas que falavam sobre o assunto duvidavam da ocorrência desta ação. Trazendo uma faceta heroica para o mito, dizia-se tal caixa com o sabão de gordura humana ter chegado ao porto do Rio e de lá, seguido por trem, em vagão plataforma, escoltada por quatro membros dos movimentos juvenis judaicos, com tochas ou bandeiras (dependendo da fonte).
Fazia até sentido pois a linha do trem passa do outro lado do muro, hoje de trás, do cemitério. Mas desde sua inauguração em 1928 a entrada do cemitério era praticamente lá na Estação Vila Rosali, tanto que a numeração de túmulos começa por lá e eles estão voltados para aquela direção.
Mas há uns sete anos atrás, foi encontrado um filme de três minutos, de 16 mm de Herszt Roizemblit, o único judeu a ter uma câmera de cinema semi-profissional na época. Não há imagens do trem, das bandeiras, nem de nada parecido. Teria nosso câmera que não imaginava estar flagrando um momento importantíssimo de nossa história chegado atrasado? Ou tudo teria se desenrolado de forma diferente? O filme deixou mais dúvidas que soluções e está há anos postado por mim no YouTube.
Um dos comentários feitos a este filme é de uma senhora afirmando que o pai dela contava outra história semelhante, mas não igual. Seria ele membro da liderança da Comunidade judaica de São Paulo e ido ao Porto de Santos receber a caixa com o sabão, escoltando-a junto com outros paulistas, em vagão normal, para o Rio de Janeiro e participando da cerimônia?
Dificultava a pesquisa o fato de não se conseguir definir as datas originais colocadas em letras metálicas do lado de fora do Memorial e furtadas em sua maioria ao longo do tempo. O local é chamado por muitos, de forma pouco digna, de Memorial do Sabão (abaixo). É uma estrutura bege e branca com cúpula preta encimada por uma estrela de David, bem no arruamento central do cemitério. Ao longo dos anos as cerimônias comunitárias do Dia do Holocausto sempre foram realizadas ali. Só há duas estruturas que não são túmulos por lá. A outra, um tanto afastada e mais próxima à entrada original é o jazigo da família Guertzsenstein.
Fazia até sentido pois a linha do trem passa do outro lado do muro, hoje de trás, do cemitério. Mas desde sua inauguração em 1928 a entrada do cemitério era praticamente lá na Estação Vila Rosali, tanto que a numeração de túmulos começa por lá e eles estão voltados para aquela direção.
Mas há uns sete anos atrás, foi encontrado um filme de três minutos, de 16 mm de Herszt Roizemblit, o único judeu a ter uma câmera de cinema semi-profissional na época. Não há imagens do trem, das bandeiras, nem de nada parecido. Teria nosso câmera que não imaginava estar flagrando um momento importantíssimo de nossa história chegado atrasado? Ou tudo teria se desenrolado de forma diferente? O filme deixou mais dúvidas que soluções e está há anos postado por mim no YouTube.
Um dos comentários feitos a este filme é de uma senhora afirmando que o pai dela contava outra história semelhante, mas não igual. Seria ele membro da liderança da Comunidade judaica de São Paulo e ido ao Porto de Santos receber a caixa com o sabão, escoltando-a junto com outros paulistas, em vagão normal, para o Rio de Janeiro e participando da cerimônia?
Dificultava a pesquisa o fato de não se conseguir definir as datas originais colocadas em letras metálicas do lado de fora do Memorial e furtadas em sua maioria ao longo do tempo. O local é chamado por muitos, de forma pouco digna, de Memorial do Sabão (abaixo). É uma estrutura bege e branca com cúpula preta encimada por uma estrela de David, bem no arruamento central do cemitério. Ao longo dos anos as cerimônias comunitárias do Dia do Holocausto sempre foram realizadas ali. Só há duas estruturas que não são túmulos por lá. A outra, um tanto afastada e mais próxima à entrada original é o jazigo da família Guertzsenstein.
Memorial dos Mártires do Holocausto, cemitério israelita de Vila Rosali Velho |
O pesquisador Dr. Joachim Neander da Polônia, entrou em contato com a Chevra Kadisha, recentemente e afirmou que nosso monumento estadual pode ser o primeiro memorial do Holocausto das Américas. Nosso amigo Davis Taublib orientado por Neander chegou aos Diários Associados (detentor do acervo e arquivo da revista O Cruzeiro) e Karla Luz, dos Diários cedeu a matéria da revista. Pronto, estabelecemos um momento exato. A publicação é do dia 01 de novembro de 1947. Como a revista era quinzenal, bastou começarmos a procurar no mês de outubro até encontrarmos.
A matéria de O Cruzeiro é pouco informativa, mas escrita pelo conceituado David Nasser. Ao longo de quatro páginas com grandes fotos, umas poucas linhas repetem basicamente a nota oficial de chamada da Comunidade judaica sem qualquer esclarecimento ou detalhe do evento acontecido. Das 17 fotos publicadas, apenas uma é relacionada ao evento, ficando as outras para mulheres aos prantos em túmulos do cemitério. Aliás isso chamou a atenção da mídia em geral: mães e avós se atirando aos túmulos aos gritos e chorando pelos seus entes queridos enterrados. O que teria isto a ver com o "sabão?" Nada.
O evento foi no dia 12 de outubro de 1947, um domingo, sem relação alguma com Rosh Hashaná, que caiu no dia 14 de setembro e Iom Kippur no dia 23 de setembro. Quatorze meses antes da inauguração oficial do cemitério novo, com seu primeiro sepultamento a 5 de dezembro de 1948. É provável que muita gente tenha aproveitado a ida no dia 12 para compensar a visita tradicional no período das festas, duas semanas antes. É longe ainda hoje e era bem mais longe na época.
AS MANCHETES
A foto foi invertida para publicação, por questão estética e o responsável nem imaginou que o texto em hebraico do túmulo estava ao contrário. |
Já outros jornais foram bem mais enfáticos, inflados, errados e sensacionalistas: "Centenas De Vítimas De Hitler Serão Enterradas Amanhã Num Dos Cemitérios Do Rio - Imenso cortejo de automóveis levando em caixotes, os corpos de judeus que os nazistas transformaram em sabão", deu o Diário da Noite que parece não ter entendido o que iria acontecer, mas nos deu a cobertura mais completa, depois.
“Será Sepultada Hoje A Gordura Humana, a cerimônia promovida pelos israelitas será no cemitério de Vila Rosali", deu o Diário Carioca.
"Um Enterro Original - Barras de sabão feito com gordura humana serão inumadas, simbolicamente, no cemitério de Vila Rosali", publicou o Diário de Notícias.
"As Vítimas Do Nazismo - A cidade assistirá na manhã de hoje a uma cerimônia fúnebre sem precedentes: corpos humanos, convertidos em produtos industriais, serão conduzidos até um cemitério israelita, em remoto subúrbio, e aí sepultados", no Correio da Manhã.
"Levadas À Sepultura As Barras De Sabão Feitas Com Despojos Humanos - 5.000 Pessoas e 600 Automóveis No Cortejo Fúnebre Das Vítimas De Hitler", estampou o Diário da Noite em matéria da página inteira com sete grandes fotos.
“Sepultados Os Pedaços De Sabão Fabricados Com Banha De Judeus - Milhares de carros e dezenas de milhares de judeus acompanharam os restos mortais de seus irmãos de sangue numa cerimônia tocante: choro, gritos e velas", inflou o jornal A Noite em sua primeira página.
"Milhares de pessoas no enterro simbólico das vítimas nos nazistas", colocava de forma muito correta o Tribuna Popular, um jornal comunista circulado apenas entre 1945 e 1947.
O Globo dá em sua primeira página. |
Assim, trocamos o mito pela verdade. Não houve navio, nem trem, ou plataforma, e muito menos, as tochas levadas por jovens. Que fique claro: esta versão corriqueira e errada não foi estimulada, criada ou divulgada pelos movimentos juvenis que a ignoravam. Nunca saberemos quando e onde surgiu.
Dois deles são identificados pelo Diário da Noite, como os "irmãos Samenson e Leib". E eles publicaram sobre o assunto em seu livro de memórias. Após ler a primeira publicação desta matéria na Revista Menorah, Betty Moszkowicz entrou em contato e nos contou: "Meu pai Szamszon Ber Jarczun z'l (conhecido como Bóris) e seu irmão, Lejba Jarczun z'l (Leão), judeus imigrantes da Polônia, nos contaram sobre o sabão feito de banha humana. Agora graças ao seu artigo, descobri que eles fizeram muito mais que apenas relatar este fato às suas famílias. Na folha 146 da biografia de Bóris, "KUM BERL!", temos: “Meses antes de embarcarem para o Brasil, Bóris, Leão e Estera (prima e futura esposa de Leão) foram a uma birosca na cidade de Zabje comprar sabão para lavar a roupa. Bóris lembra que era uma pequena barra 3x4 de um branco encardido. Quando chegaram de volta em casa, Bóris percebe uma inscrição e fica horrorizado > R.I.F. - Pura gordura de Judeus – Os três voltam à loja e compram todo o sabão à venda. Seguem para birosca seguinte e fazem o mesmo. Guardam os pedaços, cuidadosamente, para traze-los consigo.”
Na página 151 de KUM BERL! temos: "Moyses se lembra bem dos primeiros 'lanches e papos'. A vizinhança toda aparecia. Todos querendo ouvir os relatos da guerra. Todos tinham uma língua em comum: o iídiche. Em algum desses momentos das histórias da guerra, vem à baila os pedaços de sabão que tinham trazido da Polônia. Todos ficam horrorizados, mas não paralisados. A imprensa é avisada. Nenhum dos três quer contato com a imprensa.
Traumatizados pela guerra, não queriam ser foco de atenções, queriam o protegido anonimato. E ainda mais quando souberam que Luiz Carlos Prestes gostaria de se encontrar com eles. Bóris 'surtou'. Não queria nada com nenhum comunista. Com cobertura da imprensa, estes pedaços de 'sabão' foram enterrados no cemitério de Vila Rosali. Sem a presença de Bóris, Leon e Ester. Mas Bóris só não foi naquele ano, nos anos seguintes, em 15 de Elul, ele visita a sepultura desses judeus anônimos. (E sua neta Michelle, com sua família, presta neste mesmo dia, em Israel, uma homenagem às vítimas do holocausto, em nome dos Jarczun.)"
A chegada das barras de Sabão R.I.F. ocorreu em todos os lugares para onde os sobreviventes de campos de concentração nazistas na Polônia foram após a Segunda Guerra Mundial, inclusive para Israel onde há várias destas caixas enterradas. A conversa se propagou, as barras foram vistas e passadas de mão em mão no Rio de Janeiro, até que o rabino chefe, então M. Tzikinowsky, decidiu: eram restos humanos judaicos e os restos humanos precisam ser enterrados conforme a halachá (a lei religiosa judaica). O rabinato então, pediu que as barras lhe fossem entregues. Um dos jornais declara: "a exemplo do que já foi feito nos Estados Unidos".
Isso indica que parte a história de um grupo de São Paulo ter trazido uma caixa com barras de trem para o Rio de Janeiro provavelmente é verdadeira: os sobreviventes radicados em São Paulo devem ter enviado suas barras para a cerimônia, bem como judeus de outros estados, pois as matérias de jornal dão conta de judeus vindos de todas as comunidades brasileiras.
A cerimônia teve a organização, juntamente com a Sociedade do Cemitério Israelita do Rio de Janeiro (Chevra Kadisha), da "Sociedade Ostroweer ou Comitê de Socorro aos Israelitas Sobreviventes de Ostrowiec", formada por imigrantes anteriores daquela cidade e sobreviventes do campo de concentração de Stutthof, na Polônia, região de Danzig, onde funcionaria a tal confecção macabra do sabão "R.I.F."
As dezesseis barras foram colocadas na frente do Aron Ha Kodesh (o armário onde são guardados os rolos da Torah) e o chazan (cantor litúrgico) Steimberg, entoou "os salmos 88, 89, 82, 83 e 85, todos eles referentes aos sofrimento de Israel e pedindo de D'us se compadeça de seu povo", conforme o jornal A Noite.
As oito e meia da manhã o cortejo fúnebre começou a se deslocar, tendo a frente uma grande comissão identificada por braçadeiras, carregando o caixão "coberto com uma toalha branca e bordada", ou "um pano com listras azuis e brancas" na visão dos repórteres. Mas foi um talit que está bem nítido nas fotos e no filme.
AS BARRAS DE SABÃO
A chegada dos sobreviventes do Holocausto ao Brasil foi acompanhada por uma comprovação das atrocidades. Alguns deles trouxeram uma barra de sabão "R.I.F." ("Pura Gordura de Judeus - Reine Juden Fetz" - conforme os jornais publicaram na época), que teriam recebido ainda em cativeiro para uso em sua higiene.
KUM BERL!
Dois deles são identificados pelo Diário da Noite, como os "irmãos Samenson e Leib". E eles publicaram sobre o assunto em seu livro de memórias. Após ler a primeira publicação desta matéria na Revista Menorah, Betty Moszkowicz entrou em contato e nos contou: "Meu pai Szamszon Ber Jarczun z'l (conhecido como Bóris) e seu irmão, Lejba Jarczun z'l (Leão), judeus imigrantes da Polônia, nos contaram sobre o sabão feito de banha humana. Agora graças ao seu artigo, descobri que eles fizeram muito mais que apenas relatar este fato às suas famílias. Na folha 146 da biografia de Bóris, "KUM BERL!", temos: “Meses antes de embarcarem para o Brasil, Bóris, Leão e Estera (prima e futura esposa de Leão) foram a uma birosca na cidade de Zabje comprar sabão para lavar a roupa. Bóris lembra que era uma pequena barra 3x4 de um branco encardido. Quando chegaram de volta em casa, Bóris percebe uma inscrição e fica horrorizado > R.I.F. - Pura gordura de Judeus – Os três voltam à loja e compram todo o sabão à venda. Seguem para birosca seguinte e fazem o mesmo. Guardam os pedaços, cuidadosamente, para traze-los consigo.”Na página 151 de KUM BERL! temos: "Moyses se lembra bem dos primeiros 'lanches e papos'. A vizinhança toda aparecia. Todos querendo ouvir os relatos da guerra. Todos tinham uma língua em comum: o iídiche. Em algum desses momentos das histórias da guerra, vem à baila os pedaços de sabão que tinham trazido da Polônia. Todos ficam horrorizados, mas não paralisados. A imprensa é avisada. Nenhum dos três quer contato com a imprensa.
Traumatizados pela guerra, não queriam ser foco de atenções, queriam o protegido anonimato. E ainda mais quando souberam que Luiz Carlos Prestes gostaria de se encontrar com eles. Bóris 'surtou'. Não queria nada com nenhum comunista. Com cobertura da imprensa, estes pedaços de 'sabão' foram enterrados no cemitério de Vila Rosali. Sem a presença de Bóris, Leon e Ester. Mas Bóris só não foi naquele ano, nos anos seguintes, em 15 de Elul, ele visita a sepultura desses judeus anônimos. (E sua neta Michelle, com sua família, presta neste mesmo dia, em Israel, uma homenagem às vítimas do holocausto, em nome dos Jarczun.)"
A chegada das barras de Sabão R.I.F. ocorreu em todos os lugares para onde os sobreviventes de campos de concentração nazistas na Polônia foram após a Segunda Guerra Mundial, inclusive para Israel onde há várias destas caixas enterradas. A conversa se propagou, as barras foram vistas e passadas de mão em mão no Rio de Janeiro, até que o rabino chefe, então M. Tzikinowsky, decidiu: eram restos humanos judaicos e os restos humanos precisam ser enterrados conforme a halachá (a lei religiosa judaica). O rabinato então, pediu que as barras lhe fossem entregues. Um dos jornais declara: "a exemplo do que já foi feito nos Estados Unidos".
Isso indica que parte a história de um grupo de São Paulo ter trazido uma caixa com barras de trem para o Rio de Janeiro provavelmente é verdadeira: os sobreviventes radicados em São Paulo devem ter enviado suas barras para a cerimônia, bem como judeus de outros estados, pois as matérias de jornal dão conta de judeus vindos de todas as comunidades brasileiras.
A CERIMÔNIA
Consta que dezesseis barras foram reunidas na manhã do dia 12 de outubro e examinadas pelos rabinos Henrique Lemle (alemão liberal), Zingerevitch e Tzikinowsky. As oito horas da manhã, o rabino Tzikinovsky, alto de barba branca e óculos nas fotos, inicia a cerimônia no Grande Templo Israelita, à rua Tenente Possolo, já na presença da mídia e cerca de 5.000 pessoas lotando o templo e as ruas ao redor, e mais de 600 carros particulares, taxis e de aluguel estacionados: "Uma grande massa se comprimia no interior do templo e entoava cânticos e preces pela alma dos sacrificados", do Diário da Noite.A cerimônia teve a organização, juntamente com a Sociedade do Cemitério Israelita do Rio de Janeiro (Chevra Kadisha), da "Sociedade Ostroweer ou Comitê de Socorro aos Israelitas Sobreviventes de Ostrowiec", formada por imigrantes anteriores daquela cidade e sobreviventes do campo de concentração de Stutthof, na Polônia, região de Danzig, onde funcionaria a tal confecção macabra do sabão "R.I.F."
As dezesseis barras foram colocadas na frente do Aron Ha Kodesh (o armário onde são guardados os rolos da Torah) e o chazan (cantor litúrgico) Steimberg, entoou "os salmos 88, 89, 82, 83 e 85, todos eles referentes aos sofrimento de Israel e pedindo de D'us se compadeça de seu povo", conforme o jornal A Noite.
As oito e meia da manhã o cortejo fúnebre começou a se deslocar, tendo a frente uma grande comissão identificada por braçadeiras, carregando o caixão "coberto com uma toalha branca e bordada", ou "um pano com listras azuis e brancas" na visão dos repórteres. Mas foi um talit que está bem nítido nas fotos e no filme.
Do Diário da Noite |
Figuras de destaque da comunidade revezavam-se, carregando o pequeno caixão a pé pelas ruas Mem de Sá, Santana, até a Avenida Presidente Vargas onde parou no templo Israelita "Yaven" (segundo A Noite) ou a "Sinagoga da Praça Onze" (segundo o Diário da Noite). Mas naquele momento, a sinagoga da Avenida Presidente Vargas era a Beyruthense, no número 1.197 desde 1944. Isso justifica uma segunda cerimônia: a primeira no Templo no rito ashkenazi e a segunda na Beyruthense no rito sefaradi entoado por Maurício Sztaitman.
Às 10 horas o caixão foi colocado no carro fúnebre e todo o cortejo se dirigiu para Vila Rosali.
Os números de cada jornal variam muito. Mas o evento foi enorme. A Noite, um jornal considerado sério e não muito sensacionalista descreve: "A seguir, em cerca de 2.000 carros, centenas e centenas de judeus acompanharam os simbólicos restos mortais de seus irmãos torturados e mortos pelos nazistas." O jornal comunista Tribuna Popular, fala em 500 carros. Sobre a cerimônia na segunda sinagoga o Diário Carioca, traz: "Essa solenidade ao ar livre foi deveras chocante, tendo a massa humana que ali se comprimia, chegado mesmo a interromper o tráfego pela Avenida Presidente Vargas."
Membros importantes da Comunidade Judaica se revezam carregando o pequeno caixão pelas ruas da Praça Onze. Foto do Diário da Noite |
O ENTERRO
No cemitério, as barras de sabão foram levadas ao local de purificação onde os corpos são lavados, o que é claro não foi feito com elas, sendo envolvidas individualmente em panos brancos "ainda não utilizados" e cobertas com o talit, segundo um jornal ou "cada peça de sabão foi posta em um saquinho de linho branco", segundo outro, e em seguida houve o enterro."Vários discursos foram pronunciados à beira do túmulo por membros destacados da colônia, que em seu idioma (ídiche), versavam em protestos conta a selvageria nazista e erguiam-se em exortações pelo eterno descanso de seus compatriotas mortos. Entre eles, o professor Américo Valério, da faculdade de medicina, que condenou as práticas bárbaras dos nazistas e exaltou o heroísmo dos judeus. Maurício Sztaitman, entoou os últimos cânticos fúnebres e o kadish (oração "a sagrada" em louvor a Deus, cantada nos sepultamentos e no luto), acompanhado em massa por todos os presentes.
Momento exata quando o pequeno caixão foi colocado na cova sobre a qual seria construído o Memorial do Holocausto no Cemitério Israelita de Vila Rosali (Velho). Foto do jornal A Noite |
.O jornal A Noite, termina sua matéria dando conta de algo que passaria despercebido na história não fosse a determinação de sua linha política em publicar outras oito linhas: "Os comunistas também compareceram. Os comunistas se infiltram em toda a parte e não perdem a oportunidade de tirar partido de tudo. Lá estavam eles também no cemitério dos israelitas, tendo a frente seu chefe, sr. Luiz Carlos Prestes, procurando, por certo, fazer adeptos entre os judeus."
Evidentemente a visão do jornal comunista é muito diferente: "Durante o percurso, centenas de populares atraídos pela curiosidade, indagavam quem tinha morrido. Informados, manifestavam seu horror e protesto. No Mangue, uma senhora católica disse, revoltada, aos passageiros dos carros: 'do nazismo e fascismo só se pode esperar isso'. O senador Luiz Carlos Prestes e o deputado Maurício Grabois assistiram ao sepultamento simbólico dos restos mortais de milhares de vítimas do nazismo. Calorosamente aplaudido por ocasião da sua chegada, Prestes foi cumprimentado pelos rabinos e inúmeras outras pessoas da colônia judaica." Abel Chremont, presidente do Partido Popular Progressista se alinhou ao lado de Prestes e Grabois.
Na foto da Tribuna Popular, Luis Carlos Prestes está de chapéu, o segundo a esq, ao centro com bigode, Maurício Grabois e de terno claro listrado, provavelmente Abel Chermont (ainda à confirmar) |
E AS CONTROVÉRSIAS?
Mas o que está de fato enterrado lá? A estória de que estariam fazendo sabão com gordura de judeus era uma estória criada pelos próprios nazistas para intimidar os poloneses, para que eles tivessem medo de ter o mesmo destino dos judeus. Os rumores tomaram um vulto tão grande que a população polonesa parou de comprar sabão e Himler, o chefe da SS determinou que os corpos dos judeus fossem cremados e transformados em cinzas o mais rápido possível. O rumor foi publicado pela primeira vez no The New York Times em 1942. Há uma carta de 20 de novembro de 1942 de Himler para o chefe da Gestapo, Heinrich Müller, após a publicação do jornal americano: "Você me garantiu que em cada um dos locais os corpos dos judeus mortos foram ou queimados ou enterrados, e que em nenhum lugar nenhuma outra coisa poderia acontecer com os corpos", exigindo uma explicação oficial para o rumor publicado.Acima você vê uma barra de sabão RIF com número de lote 0034 que está no Museu da Casa dos Combatentes do Gueto - Lohamei Ha Guetaot, em Israel. Não há como confundir o "I", com "J". Os poloneses e russos que escreveram inicialmente sobre o assunto entenderam R.I.F., como R.J.F. (Reine Juden Fett) o que seria "Pura Gordura de Judeus". Mas a marca R.I.F. era (Reichsstelle für Industrielle Fettversorgung) "Centro Nacional de Fornecimento de Gordura Industrial" a agência do governo nazista encarregada da produção e distribuição de sabão e produtos de limpeza durante a guerra. Os diversos produtos R.I.F. e eram considerados péssimos e não continham gordura nem animal, muito menos humana. A gordura era necessária para fabricação lubrificantes e explosivos.
”Judeu” em qualquer das línguas do centro ou leste europeu não é com a letra com a letra “I”. No caso do ídiche, o termo o “Yid”, com a letra “Y”. Em alemão, Jude; em polonês, Żyd; em romeno, Evreu; em lituano, Judėjas; em russo, Eврей, em húngaro, Zsidó. A única explicação plausível seria o termo “israelita”, com “i” em todas as línguas, mas que não é citado em nenhuma matéria de época no final dos anos 1940.
Durante os Julgamentos de Nuremberg (dos criminosos nazistas após a guerra), Sigmund Mazur, técnico assistente de laboratório do Instituto de Anatomia de Danzig (na Polônia alemã) testemunhou sob juramento e sob pena de ser condenado à morte, que fizeram sabão com gordura humana no campo de concentração em 1943.
Em sua declaração, lê-se que foram obtidos 70 a 80 kg de gordura de 400 corpos (menos de 200 gramas por corpo) e com isso se produziu 25 kg de sabão entregues ao professor Rudolf Spanner. Era um estudo de viabilidade que foi considerado oneroso, difícil e fracassado. Seu testemunho pode ser visto em
http://en.wikisource.org/wiki/Testimony_of_Sigmund_Mazur_before_the_International_Military_Tribunal_in_Nurenberg_in_the_case_of_Danzig_Anatomical_Institute
Escritores soviéticos do pós guerra descreveram chegar a várias instalações em locais diferentes. Numa delas havia caldeirões cheios de líquidos e partes de cadáveres humanos, num processo de fabricação interrompido de sabão. Há trechos de filmes militares que estavam em poder da União Soviética mostrando isso. Tais filmes foram liberados e publicados em 2014.
Testemunhas e judeus que investigaram o assunto não encontraram evidências de fabricação em massa, mas concluíram que houve experimentos. Sabe-se que a SS usava tudo dos judeus como insumos, até mesmo cabelos e ossos. Seria a gordura algo improvável? Mas seria coerente imaginar cozinhar corpos em grandes panelas para extrair gordura? Não foi este o método utilizado no Instituto de Anatomia de Gdansk.
Em 2006, um pedaço de um sabão RIF arquivado na Corte Internacional de Justiça em Haia foi entregue ao maior especialista em gorduras da Universidade de Tecnologia de Gdansk, na Polônia. Sua análise concluiu que havia alguma gordura humana no sabão.
Porem, desde 1990, o Yad Vashem, que é a Autoridade Nacional (Israelense) Sobre o Holocausto, definiu que nunca houve sabão feito com gordura humana de judeus.
Em 1990 já havia retirado as barras que tinha de exposição no museu em Jerusalém. Várias amostras, de várias partes do mundo, foram enviadas para exames de DNA na Universidade de Tel Aviv e os testes não encontraram gorduras humanas.
A Casa dos Combatentes dos Guetos (Lohamei Ha Guetaot), no norte de Israel, expõe o sabão RIF mostrando que ele não é feito com gordura humana. Este local foi o primeiro Museu do Holocausto do mundo.
As associações de sobreviventes do Holocausto do mundo inteiro, inclusive em Israel, e praticamente todas as associações funerais judaicas não aceitam a definição do Yad Vashem e se puseram publicamente contra. Esta confusão de documentos e falta deles, de testemunhas, e de testes químicos provando que tem gordura humana e outros provando que não tem, são um dos mais fortes argumentos dos revisionistas do Holocausto para afirmar que a totalidade da matança de 6 milhões não existiu.
O Memorial dos Mártires do Holocausto do Rio de Janeiro, nunca será violado, bem como as outras centenas que existem no mundo. Assim, não podemos ter certeza de que só há sabão RIF e não outro tipo, o dos experimentos em pequena escala assumidos em julgamento pelos criminosos nazistas que o fizeram. De qualquer modo, nosso Memorial do Holocausto é um memorial geral e o sabão RIF não possuir gordura humana seria ótimo e um desfecho feliz. É um objeto simbólico da tortura psicológica a que os judeus foram submetidos, quem sabe, imaginando terem que se lavar com sabão que não limpava direito e feito com os restos de seu povo.
O filme curto original de 1947 pode ser visto abaixo. Existem dois erros sérios em minha narração e peço desculpas. Disse que o memorial ficava em Vila Rosali Novo, e não no Velho, que é o correto, e troquei o rabino Tzikinowsky pelo Fink, que é um rabino décadas posterior. Desculpem-me.
O "mistério" quanto a segunda câmera mostrada no vídeo de 1947, relaciona-se possivelmente ao filme "Enterro do sabão de gordura humana" que passou a partir de 28.3.1949 no Cine São Carlos como complemento de outro, pelo distribuidor de filmes israelitas Jacob Dvoskin, cujo representante era Isaac Copelman e depois seguiu para apresentação em São Paulo no Odeon.
© José Roitberg 2013-2024 - Jornalista e Pesquisador
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Publicado inicialmente na Revista Menorah edição de maio de 2013
http://en.wikisource.org/wiki/Testimony_of_Sigmund_Mazur_before_the_International_Military_Tribunal_in_Nurenberg_in_the_case_of_Danzig_Anatomical_Institute
Escritores soviéticos do pós guerra descreveram chegar a várias instalações em locais diferentes. Numa delas havia caldeirões cheios de líquidos e partes de cadáveres humanos, num processo de fabricação interrompido de sabão. Há trechos de filmes militares que estavam em poder da União Soviética mostrando isso. Tais filmes foram liberados e publicados em 2014.
Testemunhas e judeus que investigaram o assunto não encontraram evidências de fabricação em massa, mas concluíram que houve experimentos. Sabe-se que a SS usava tudo dos judeus como insumos, até mesmo cabelos e ossos. Seria a gordura algo improvável? Mas seria coerente imaginar cozinhar corpos em grandes panelas para extrair gordura? Não foi este o método utilizado no Instituto de Anatomia de Gdansk.
TESTES GENÉTICOS
Em 2006, um pedaço de um sabão RIF arquivado na Corte Internacional de Justiça em Haia foi entregue ao maior especialista em gorduras da Universidade de Tecnologia de Gdansk, na Polônia. Sua análise concluiu que havia alguma gordura humana no sabão.Porem, desde 1990, o Yad Vashem, que é a Autoridade Nacional (Israelense) Sobre o Holocausto, definiu que nunca houve sabão feito com gordura humana de judeus.
Agência Reuters publica, em abril de 1990, para o mundo inteiro nota do Yad Vashem declarando que gordura humana não foi utilizada pelos nazistas. |
Em 1990 já havia retirado as barras que tinha de exposição no museu em Jerusalém. Várias amostras, de várias partes do mundo, foram enviadas para exames de DNA na Universidade de Tel Aviv e os testes não encontraram gorduras humanas.
A Casa dos Combatentes dos Guetos (Lohamei Ha Guetaot), no norte de Israel, expõe o sabão RIF mostrando que ele não é feito com gordura humana. Este local foi o primeiro Museu do Holocausto do mundo.
As associações de sobreviventes do Holocausto do mundo inteiro, inclusive em Israel, e praticamente todas as associações funerais judaicas não aceitam a definição do Yad Vashem e se puseram publicamente contra. Esta confusão de documentos e falta deles, de testemunhas, e de testes químicos provando que tem gordura humana e outros provando que não tem, são um dos mais fortes argumentos dos revisionistas do Holocausto para afirmar que a totalidade da matança de 6 milhões não existiu.
O Memorial dos Mártires do Holocausto do Rio de Janeiro, nunca será violado, bem como as outras centenas que existem no mundo. Assim, não podemos ter certeza de que só há sabão RIF e não outro tipo, o dos experimentos em pequena escala assumidos em julgamento pelos criminosos nazistas que o fizeram. De qualquer modo, nosso Memorial do Holocausto é um memorial geral e o sabão RIF não possuir gordura humana seria ótimo e um desfecho feliz. É um objeto simbólico da tortura psicológica a que os judeus foram submetidos, quem sabe, imaginando terem que se lavar com sabão que não limpava direito e feito com os restos de seu povo.
O filme curto original de 1947 pode ser visto abaixo. Existem dois erros sérios em minha narração e peço desculpas. Disse que o memorial ficava em Vila Rosali Novo, e não no Velho, que é o correto, e troquei o rabino Tzikinowsky pelo Fink, que é um rabino décadas posterior. Desculpem-me.
Comentários do professor e historiador Fábio Koifman
Mais importante exatamente do que o sabão ser ou não gordura humana (ele de fato não é, mas eles não sabiam disso), na época ele foi acreditado assim e desse modo foi tratado. Daí o procedimento de enterro. O Yad Vashem foi criado só em 1953. Importante também é compreender o contexto no qual o evento foi elaborado e qual significação (política, identitária, afirmativa etc) que a comunidade judaica deu ao fato e a publicidade.
O "mistério" quanto a segunda câmera mostrada no vídeo de 1947, relaciona-se possivelmente ao filme "Enterro do sabão de gordura humana" que passou a partir de 28.3.1949 no Cine São Carlos como complemento de outro, pelo distribuidor de filmes israelitas Jacob Dvoskin, cujo representante era Isaac Copelman e depois seguiu para apresentação em São Paulo no Odeon.
© José Roitberg 2013-2024 - Jornalista e Pesquisador
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Publicado inicialmente na Revista Menorah edição de maio de 2013
4 comentários:
Fantastica a materia, parabens, mostra nossa historia desmistificada com fatos e provas reais.
É difícil comentar, mas fomentar que cada vez mais se pesquise mais sobre este e muitos outros temas paralelos para desvendar a bestialidade do nazi/fascismo para servir de alerta a todas futuras gerações.
Mauro Gorodicht
É uma atrocidade muito grande caso isso seja real, porque temos essa duvidas apesar de vermos fotos imagens dizeres que comprometem, mas fica aqui a minha indignação! me dói muito apesar de não ser do meu tempo, mas não existe tempo para amar-mos uns aos outros, muito triste e lamentavel tamanha violencia.
É uma atrocidade muito grande caso isso seja real, porque temos essa duvidas apesar de vermos fotos imagens dizeres que comprometem, mas fica aqui a minha indignação! me dói muito apesar de não ser do meu tempo, mas não existe tempo para amar-mos uns aos outros, muito triste e lamentavel tamanha violencia.
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