segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Fábrica de Matzá de David Bilms

A primeira fábrica de matzá no RJ foi encontrada por acaso na pesquisa. David Bilms teria começado a produzir matzá no Rio de Janeiro em 1914 e a única localização conhecida é a última, a da rua do Lavradio 63 fundos, o terceiro prédio da Shell Guemillut Hassadim, hoje em ruínas, mas ainda fotografado pelo Street View em 2011. Pelo que sabemos todo o sobrado (segundo andar) era a sinagoga.


Rua do Lavradio 63 na foto do Google Street View de 2011. Entre esta foto e 2012, o segundo andar desabou e está em ruínas até hoje 2023.

A matéria de março de 1939 diz que O Globo foi lá porque havia uma discórdia na comunidade. Era a padaria de David Bilms (nunca tinha ouvido este sobrenome antes).


O rabino Tzikinowski, ainda jovem, foi muito atuante e respeitado na Comunidade Judaica, dando entrevistas ao repórter de O Globo (2/mar/1939)

David comprava 50 toneladas de farinha de trigo fornecida pelo Moinho Inglês e produzia 50 toneladas de matzá, em torno de 50 mil caixas de 1 kg. Então podemos ter uma ideia da demanda em 1939.


Rua do Santana 195 na foto do Google Street View de 2011 mostra o prédio da fábrica de matzá Tkivah (amarelo), já servindo a outro comércio.

Só que os pedidos eram muito maiores e David Bilms foi ao Ministério do Trabalho solicitar a outorga de outras 200 toneladas de farinha destinadas a Abraham Szterenkranc (Vila Rosali) que iniciou a marca Tikva no Rio de Janeiro.


Interior da padaria Sterenkrank em Vila Rosali. De barba, Abraham Szterenkranc
(foto pessoal cedida por Raquel Szterenkranc)

No balcão de mármore estão expostos os lakers (bolos) da vovó Chawa. A padaria funcionava normalmente e era aberta ao público na parte da frente. Nos fundos ficava a fábrica de matzá e kashe.”
"Era um forno a lenha e a matzá feita era crocante. Vovô comprou as terras que pertenciam ao cemitério Velho de Vila Rosali que ficava quase em frente à Tikvah e fez sozinho o primeiro enterro e rezou por aquela alma. Também fez a sinagoga Beit Israel (Bet Ysroel) e o escritório de resgate às vítimas do Holocausto de Ostrowiec na Praça Onze, RJ.  Raquel Szterenkranc


"Fui com papai, várias temporadas de fabricação para Pessach, em Vila Rosali. E testemunhei a modernização sequencial dos fornos de fabricação, bolação do nosso pai saudoso. Nosso avô Abram, também foi um dos fundadores do antigo cemitério de Vila Rosali, mais uma contribuição da nossa família a comunidade judaica!!! Tradição centenária!! Saudades eternas!" Luiz Szterenkranc

"Papai vendeu a marca e as máquinas para outra fábrica que se estabeleceu na rua Santana 195, na Praça Onze e que também já fechou. Nossa matzá era vendida e dada aos carentes na sinagoga Bet Ysroel e numa venda da Praça Onze onde também vendiam arenques em salmoura e defumados, a antiga loja do Frigele." Raquel Szterenkranc


Este é o prédio da Padaria Tikvah em Vila Rosali. Note ao fundo a chaminé do forno a lenha, o telhado quase original e a arte arquitetônica em concreto, no alto e na frente dos anos 1920.

O portão de entrada de Vila Rosali, ficava a menos de 200 metros da Tikvah. A plataforma do trem, depois estação, ficava entre a padaria e o cemitério. Falta uma história. É muito provável, que durante décadas, os judeus que iam aos enterros em Vila Rosali e nas visitas antes de Yom Kippur (data normal para inaugurar matzeivot naqueles tempos) se reunissem na Tikvah para relaxar, bater papo, tomar um café, um guaraná, levar pão para casa enquanto aguardavam o trem. Alguém precisa lembrar destas histórias.

Em 1939, a padaria de Bilms, já funcionava à 10 anos e tinha patente de 1923 para fabricação de "matzá para a páscoa israelita". Ainda segundo a matéria, David Bilms fabricava matzá no Rio de Janeiro desde 1914.



Na parte de cima da foto, o padeiro Pedro que trabalhava já há 10 anos com David Bilms, de cabelos brancos na parte inferior (publicada em 2/mar/1939 em O Globo)

A supervisão era do rabino "Eide Leip Sirichevsky" (conforme publica em O Globo) na verdade, Yehuda Leib Scherechevswky o rabino da extinta (em 1935) sinagoga Beit Yacov (Jacob). Este rabino foi o primeiro rabino da Chevra Kadisha, fundada pela Beit Yacov e pelo Centro Israelita. Nas fotos de O Globo, o padeiro Pedro está em destaque na superior e David Bilms, de cabelos brancos na inferior.




Única foto conhecida até o momento do rabino Yehuda Leib Scherechevswky (RJ anos 1910s-1940s) e sua família (publicada na Revista Menorah de setembro de 1970)




15/abril/1910 - jornal Gazeta de Notícias, o mais antigo anúncio para venda de matzá no Rio de Janeiro encontrado até agora. Era matzá argentina. Portanto a importação de matzá não é novidade alguma no Brasil. General Câmara era uma das duas avenidas da Praça Onze.


De 2/mar/1921, do jornal O Paiz, temos este curioso anúncio da súbita honra de coser Maçot naquele ano.


Anúncio da Matzá Tikva de 1984 na revista Menorah. O endereço era do escritório e não da fábrica. Era absolutamente normal as escolas judaicas levarem os alunos para visitar a fábrica de matzá. Eu mesmo participei duas vezes quando criança. Sempre existiu em nossa comunidade uma complicação a mais com a redação das palavras em ídishe pois são cinco vertentes majoritárias da língua. Então temos "matse" ao invés de matze ou matzo, "ferfo", ao invés de ferfer ou farfale e "matse mel" que não é mel de matzá e sim farinha de matzá (matze-mel).

Se alguém tiver alguma informação sobre o destino da família Bilms, e sobre a padaria de Vila Rosali por favor agregue.

Em 2008, enviei minha equipe do Comunidade na TV, da FIERJ, fazer a última gravação sobre o funcionamento da fábrica de matzá Tikvah na rua de Santana 195, em seu último ano de funcionamento, pois o segundo proprietário decidiu fechar. Assista, pois é um documento único. Vc verá como é fabricada a matzá para Pessach. Será que alguém guardou uma caixa? Precisa ir para o Museu Judaico.


Fábrica de matzá Tikvah no Rio de Janeiro, último ano de funcionamento - 30/mar/2008

© José Roitberg 2013-2023 - jornalista e historiador
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Um comentário:

Unknown disse...

Muito bom saber da história judaica no Rio, até pouco tempo sabíamos pouquíssimo, parabéns Roitberg pelo trabalho histórico e informativo.

Claudia Fernandes